Por:
Orlando Duarte
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Falar da Corrida do Tejo é fácil e não é fácil. Ou seja, é fácil porque é uma corrida com história e conteúdo… É difícil, precisamente porque tem história e conteúdo.
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Contudo, não devo abordar a história da Corrida do Tejo, sem primeiro fazer uma breve resenha dos primórdios da corrida de estrada em Portugal. Para os que não sabem, devo lembrar que antes do 25 de Abril as corridas de estrada resumiam-se a meia dúzia de clássicas que havia sobretudo em Lisboa e no Porto, como os casos do Grande Prémio de Natal e a Volta a Paranhos, por exemplo. Mas eram provas de curtas distâncias porque maratonas só no singular: a maratona nacional que era disputada por meia dúzia de homens que eram considerados de malucos. Aliás, até os 10 mil metros em pista eram vistos como algo transcendente, fazer-se 25 voltas à pista não era para qualquer um. Recorde-se que até 1968 as mulheres só estavam autorizadas a fazer 800 metros, em 1969 passou para 1500 metros, em 1972 passou para 3000 metros, em 1980 passou para 5000 metros, e finalmente em 1981 passou para 10 000 metros e maratona, sendo Rita Borralho a primeira recordista com a marca de 2:44:54, em 25/10/81, mas fora de Portugal!
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Depois do 25 de Abril começou a reconstrução do país em geral e do atletismo em particular. Recorde-se que havia muito poucas pistas e só havia uma pista de tartan em Portugal! Foram muitos anos que este país, através da ditadura de Salazar, esteve agarrado ao ouro e dum modo muito geral, muito pobre em todas as áreas onde o atletismo não era excepção. Logo, havia muito trabalho pela frente, quer a nível infra-estrutural, quer a nível de formação e desenvolvimento da modalidade.
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Nesse sentido, começou haver incentivos e apoios do estado, através da Direcção Geral dos Desportos e dos Governos Civis, por exemplo. Mais tarde, foi sobretudo das autarquias locais que houve o maior apoio. Todavia, gostaria de destacar primeiro, Alfredo Melo de Carvalho, distinto Prof. de Educação Física, que já antes do 25 de Abril tinha lutado pela integração da educação física no antigo ensino primário, foi no seu mandato (1974/76) como responsável pela D.G.D. que se deu grande salto desportivo em Portugal e no atletismo em particular, onde se pode destacar, por exemplo, os títulos de Carlos Lopes, no Campeonato do Mundo de corta-mato e da presença de José Carvalho na final (5º classificado) dos 400 metros barreiras, onde, pela primeira vez, baixou dos 50’’, ao estabelecer a marca de 49.94, nos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976.
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Em segundo lugar, destaque para o Prof. Mário Machado que, associando-se ao movimento de Desporto Para Todos, colabora na organização de várias provas, como por exemplo, a 1ª Meia Maratona da Nazaré, em 1975, onde 175 “malucos” deram as primeiras passadas naquela distância. Mais tarde, e após grande actividade e desenvolvimento em várias provas de estrada, em 1981, aceita o convite do Prof. Alfredo Melo de Carvalho, então Vereador do Desporto da Câmara Municipal de Oeiras (1979/89), para ser o Director da 1ª Corrida do Tejo. Daí para cá a Corrida do Tejo, não obstante ser uma corrida com inscrições gratuitas, foi sempre uma das melhores provas em Portugal, não só em termos de qualidade técnica organizativa, como na quantidade de atletas classificados, como também na qualidade desses atletas.
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Em 2005 a C.M.O. decide mandar às malvas todo o espírito e filosofias anteriores e abre concurso público para angariação dum parceiro na organização da Corrida do Tejo e celebra um contrato com a Nike.
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Extracto do contrato celebrado entre a C.M.O. e a Nike:
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Cláusula 2.ª
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Valor de participação
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1- O valor mínimo da participação anual do concorrente, são €80.000,00 (oitenta mil euros).
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2- O valor da participação, corresponde ao conjunto de bens e serviços a fornecer directamente pelo adjudicatário, referidos no n.º1 do artigo 5º do presente Caderno de Encargos, designadamente na área da comunicação a nível da promoção da publicidade do evento, gestão do processo de inscrições, sistema de classificação dos atletas.
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Daqui resulta uma grande alteração no figurino da prova e, se em muitos casos essas alterações foram positivas, outras houve, como a taxa de inscrição (5€) que apesar de negativa, foi encarada pela maioria dos atletas de pelotão como razoável e dentro duma normal relação qualidade/preço. A questão é que, fruto de bastante publicidade e trabalho de bastidores da poderosa marca de material desportivo, a prova teve uma forte adesão por parte de muitas pessoas que só saem de casa para praticar actividade física 3 vezes por ano, e rapidamente as 5000 inscrições se esgotaram. Naturalmente a economia de mercado funcionou e nos anos seguintes não houve contemplações, não houve consideração pela crise, estagnação económica ou índices de inflação, e muito menos pelos habituais praticantes que participam em 20/25/30 provas por ano, e vai de aumentar desenfreadamente a taxa de inscrição; em 2006: 6€ (+ 20%); 2007: 8€ (+33.3%); 2008: 10€ (+ 25%); 2009: 10€ (0%); 2010: 12€ (+ 20%); 2011: 14€ (+16.6%); aumento global: 2005/2011: 180%!!!.
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Agora perguntar-se-á: mas não é positivo haver uma prova com 10000 inscritos e cerca de 9000 classificados? Claro que é! Ninguém poderá negar essa evidência. Todavia, se formos totalmente honestos e isentos, veremos que aqueles números são falsos. Porque excluindo as provas das pontes e esta, mais nenhuma supera aqueles números e todos nós sabemos que não há tantos praticantes habituais e regulares em Portugal. Depois não nos podemos abstrair que a prova é (era) organizada por uma autarquia local que tem obrigação de prestar um SERVIÇO PÚBLICO. Recordo que no norte há uma sinergia de duas empresas privadas (Run Porto e Sport Zone) com apoio das autarquias locais que desenvolvem várias corridas com mais de 10000 participantes e com taxas de inscrição de 1 a 3€! E se considerarmos que aquelas taxas, em todo ou em parte, revertem para instituições de solidariedade social, e que a poderosa Nike teve 1500 milhões de euros de lucro em 2010, ainda põem mais em causa as taxas de inscrição da grande Corrida do Tejo!
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Lembram-se da primeira frase da Nike no lançamento da sua 1ª Corrida do Tejo?
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Não?! Eu recordo-vos:
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“Corrida CONTRA o Tejo!”
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Na minha modesta opinião, para muitos atletas populares e de pelotão, esta organização, também está contra eles!
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Tenho dito.
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Orlando Duarte
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Nota: Foto 1ª edição da Corrida do Tejo (07/06/1981). Fotografo J. C. A. Nogueira.
Orlando Duarte
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Falar da Corrida do Tejo é fácil e não é fácil. Ou seja, é fácil porque é uma corrida com história e conteúdo… É difícil, precisamente porque tem história e conteúdo.
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Contudo, não devo abordar a história da Corrida do Tejo, sem primeiro fazer uma breve resenha dos primórdios da corrida de estrada em Portugal. Para os que não sabem, devo lembrar que antes do 25 de Abril as corridas de estrada resumiam-se a meia dúzia de clássicas que havia sobretudo em Lisboa e no Porto, como os casos do Grande Prémio de Natal e a Volta a Paranhos, por exemplo. Mas eram provas de curtas distâncias porque maratonas só no singular: a maratona nacional que era disputada por meia dúzia de homens que eram considerados de malucos. Aliás, até os 10 mil metros em pista eram vistos como algo transcendente, fazer-se 25 voltas à pista não era para qualquer um. Recorde-se que até 1968 as mulheres só estavam autorizadas a fazer 800 metros, em 1969 passou para 1500 metros, em 1972 passou para 3000 metros, em 1980 passou para 5000 metros, e finalmente em 1981 passou para 10 000 metros e maratona, sendo Rita Borralho a primeira recordista com a marca de 2:44:54, em 25/10/81, mas fora de Portugal!
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Depois do 25 de Abril começou a reconstrução do país em geral e do atletismo em particular. Recorde-se que havia muito poucas pistas e só havia uma pista de tartan em Portugal! Foram muitos anos que este país, através da ditadura de Salazar, esteve agarrado ao ouro e dum modo muito geral, muito pobre em todas as áreas onde o atletismo não era excepção. Logo, havia muito trabalho pela frente, quer a nível infra-estrutural, quer a nível de formação e desenvolvimento da modalidade.
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Nesse sentido, começou haver incentivos e apoios do estado, através da Direcção Geral dos Desportos e dos Governos Civis, por exemplo. Mais tarde, foi sobretudo das autarquias locais que houve o maior apoio. Todavia, gostaria de destacar primeiro, Alfredo Melo de Carvalho, distinto Prof. de Educação Física, que já antes do 25 de Abril tinha lutado pela integração da educação física no antigo ensino primário, foi no seu mandato (1974/76) como responsável pela D.G.D. que se deu grande salto desportivo em Portugal e no atletismo em particular, onde se pode destacar, por exemplo, os títulos de Carlos Lopes, no Campeonato do Mundo de corta-mato e da presença de José Carvalho na final (5º classificado) dos 400 metros barreiras, onde, pela primeira vez, baixou dos 50’’, ao estabelecer a marca de 49.94, nos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1976.
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Em segundo lugar, destaque para o Prof. Mário Machado que, associando-se ao movimento de Desporto Para Todos, colabora na organização de várias provas, como por exemplo, a 1ª Meia Maratona da Nazaré, em 1975, onde 175 “malucos” deram as primeiras passadas naquela distância. Mais tarde, e após grande actividade e desenvolvimento em várias provas de estrada, em 1981, aceita o convite do Prof. Alfredo Melo de Carvalho, então Vereador do Desporto da Câmara Municipal de Oeiras (1979/89), para ser o Director da 1ª Corrida do Tejo. Daí para cá a Corrida do Tejo, não obstante ser uma corrida com inscrições gratuitas, foi sempre uma das melhores provas em Portugal, não só em termos de qualidade técnica organizativa, como na quantidade de atletas classificados, como também na qualidade desses atletas.
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Em 2005 a C.M.O. decide mandar às malvas todo o espírito e filosofias anteriores e abre concurso público para angariação dum parceiro na organização da Corrida do Tejo e celebra um contrato com a Nike.
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Extracto do contrato celebrado entre a C.M.O. e a Nike:
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Cláusula 2.ª
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Valor de participação
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1- O valor mínimo da participação anual do concorrente, são €80.000,00 (oitenta mil euros).
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2- O valor da participação, corresponde ao conjunto de bens e serviços a fornecer directamente pelo adjudicatário, referidos no n.º1 do artigo 5º do presente Caderno de Encargos, designadamente na área da comunicação a nível da promoção da publicidade do evento, gestão do processo de inscrições, sistema de classificação dos atletas.
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Daqui resulta uma grande alteração no figurino da prova e, se em muitos casos essas alterações foram positivas, outras houve, como a taxa de inscrição (5€) que apesar de negativa, foi encarada pela maioria dos atletas de pelotão como razoável e dentro duma normal relação qualidade/preço. A questão é que, fruto de bastante publicidade e trabalho de bastidores da poderosa marca de material desportivo, a prova teve uma forte adesão por parte de muitas pessoas que só saem de casa para praticar actividade física 3 vezes por ano, e rapidamente as 5000 inscrições se esgotaram. Naturalmente a economia de mercado funcionou e nos anos seguintes não houve contemplações, não houve consideração pela crise, estagnação económica ou índices de inflação, e muito menos pelos habituais praticantes que participam em 20/25/30 provas por ano, e vai de aumentar desenfreadamente a taxa de inscrição; em 2006: 6€ (+ 20%); 2007: 8€ (+33.3%); 2008: 10€ (+ 25%); 2009: 10€ (0%); 2010: 12€ (+ 20%); 2011: 14€ (+16.6%); aumento global: 2005/2011: 180%!!!.
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Agora perguntar-se-á: mas não é positivo haver uma prova com 10000 inscritos e cerca de 9000 classificados? Claro que é! Ninguém poderá negar essa evidência. Todavia, se formos totalmente honestos e isentos, veremos que aqueles números são falsos. Porque excluindo as provas das pontes e esta, mais nenhuma supera aqueles números e todos nós sabemos que não há tantos praticantes habituais e regulares em Portugal. Depois não nos podemos abstrair que a prova é (era) organizada por uma autarquia local que tem obrigação de prestar um SERVIÇO PÚBLICO. Recordo que no norte há uma sinergia de duas empresas privadas (Run Porto e Sport Zone) com apoio das autarquias locais que desenvolvem várias corridas com mais de 10000 participantes e com taxas de inscrição de 1 a 3€! E se considerarmos que aquelas taxas, em todo ou em parte, revertem para instituições de solidariedade social, e que a poderosa Nike teve 1500 milhões de euros de lucro em 2010, ainda põem mais em causa as taxas de inscrição da grande Corrida do Tejo!
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Lembram-se da primeira frase da Nike no lançamento da sua 1ª Corrida do Tejo?
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Não?! Eu recordo-vos:
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“Corrida CONTRA o Tejo!”
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Na minha modesta opinião, para muitos atletas populares e de pelotão, esta organização, também está contra eles!
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Tenho dito.
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Orlando Duarte
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Nota: Foto 1ª edição da Corrida do Tejo (07/06/1981). Fotografo J. C. A. Nogueira.
Excelente análise do Orlando a quem dou os meus parabéns pelo trabalho "cirúrgico"
ResponderEliminarParabéns pelo artigo e já agora pelo blog, já que é a primeira vez que cá comento.
ResponderEliminarEm relação à corrida do tejo, fui o ano passado pela 1ª vez, tendo sido a minha primeira prova.
No geral gostei da prova, muito bem organizada e tal, mas... este ano podia lá voltar e não o vou fazer!
14€?!?
Por mais 1€ vou fazer o Trail da Serra d'Arga - 20km no mesmo dia que me dará certamente muito mais prazer e satisfação!
Só falta ali um "Mimozinho" que a Nike bem merecia e tqmbém quem lhes deu aquele poder para triturar a bolsa já tão depaupurada dos portugueses, nem de todos os corredores portugueses, diga-se.
ResponderEliminarPadrinho,
ResponderEliminarexcelente trabalho, excelente descrição...
No seu blog temos sempre muito a aprender principalmente novatas como eu nestas andanças....
Obrigada pela partilha,
beijinho
Boa "memória" Orlando... tudo foi quase assim, como se diz a "história", a evolução das corridas longas em Portugal foi quase assim...
ResponderEliminarJá agora dois detalhes:
1- Eu fui convidado pelo Prof. Melo Carvalho para fazer um plano geral da Corrida Para Todos em Portugal (fui para a ex-DGD uns 5 meses). Entreguei o plano e nesse plano para além de vários esquemas, provas e outras acções de sensibilização, havia o lançamento de uma REVISTA DE CORRIDA. Acontece que o Governo caiu e foram para a DGD outras pessoas, outros técnicos e pronto o plano foi quase esquecido, tendo saido da DGD e voltado para a Escola Secundária. Como "era jovem... tinha 25 anos" e pretendia demonstrar que o plano era viável e tinha sentido. Comecei a organizar várias provas e surgiu a REVISTA SPIRIDON em 1978! A revista surge um pouco como algo de "raiva" e para mostrar que o plano tinha "pernas para andar". Não me enganei tinha mesmo!
2 - Quanto à CORRIDA DO TEJO, efectivamente fui responsável pela organização durante os primeiros 12 anos e depois tudo passou para os técnicos da CMO. Devo referir que os técnicos de desporto da C.M.O. sempre foram escolhidos pela sua enorme experiência profissional (o Prof. Manuel Constantino era o responsável geral). Na primeira edição o meu esquema foi partida de Algés e chegada em frente à Câmara... Apesar de inúmeras demarches não houve autorização das forças policiais e optou-se por um percuso pelo interior. No ano seguinte já conseguimos que tyodos corressem pela marginal!
Mário Machado
Olá Jorge, tudo bem? Como estão as pernas? Melhor de certo.
ResponderEliminarQuanto à corrida do Tejo, só lhe digo que é uma pena.
bj eugénia
Partindo desta ideia lançada no post
ResponderEliminar“Corrida CONTRA o Tejo!” qualquer dia surgue ai a a "1ª edição pirata da corrida tejo"
Ivo
Belas memorias ...
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