quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

PARA O DESENVOLVIMENTO DA MARATONA EM PORTUGAL.


É sobejamente conhecida a discrepância que existe em Portugal entre o número de corredores que alinham na meia maratona e dos que participam nos míticos 42,195 km da maratona.
Se nos últimos anos têm aumentado o número de corredores lusos a participarem na maratona esse número ainda é muito fraco face aos atletas que alinham na meia maratona e comparativamente à realidade de outros países (basta olhar para a nossa vizinha Espanha).
Não vou fazer uma análise detalhada do porquê desta realidade pois seria um estudo demasiado exaustivo para caber nestas linhas e nem me sinto com competências para tal.
Mas há um facto que posso referir e penso ser importante nesta questão. É que, enquanto uma meia maratona se consegue preparar e levar, mais ou menos, a bom porto, sem grandes conhecimentos técnicos, o esforço de correr 42,195 km já implica outros conhecimentos e outros cuidados.
Ora se tivermos em atenção que em Portugal a esmagadora maioria dos corredores não tem treinador podemos imaginar as dificuldades que eles devem sentir ao embarcarem no desafio de se preparam para participar pela primeira vez numa maratona.
Não é por acaso que determinados clubes de corredores apresentam uma elevada percentagem de maratonistas. Inseridos num clube, apoiados e estimulados pelos colegas do grupo, aproveitando o saber e a experiencia dos que já correram a prova, os maratonistas “debutantes” lançam-se com muito mais segurança no desafio de participarem na sua primeira maratona.
Em face do atrás exponho, que me parece provado pela realidade da maratona e dos maratonistas em Portugal, penso que há uma medida extremamente simples e ao alcance de todos para aumentar, significativamente, o número de maratonistas.
Qual é então a tal medida “milagrosa” que vai levar mais corredores a evoluírem para a Maratona?
É algo muito fácil! Basta que cada maratonista neste começo de 2010 desafia um colega/amigo de treino para participar este ano na sua primeira maratona.
Esse maratonista vai usar a sua experiencia para transmitir confiança, apoio e conhecimentos ao futuro maratonista, tornando-se assim um género de “padrinho da maratona”.
Se os maratonistas portugueses usarem a determinação que lhes é própria para motivarem e ajudarem um colega/amigo a tornar-se maratonista, estou convencido que, de ano para ano, vai aumentar o número daqueles que correm a maratona em Portugal.
Outras medidas poderão, e deverão ser tomadas, para o desenvolvimento da maratona em Portugal mas essas estão fora da nossa alçada.
As “armas” que temos para fazer crescer a maratona, passam pelo apoio e incentivo aos colegas que se querem lançar na grande aventura.
Enfim, tudo passa pela Amizade e isso é o mais importante na corrida e na vida.
Vamos apadrinhar futuros maratonistas?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

CORRENDO COM...UMA DÚZIA DE PERGUNTAS AO PROFESSOR MÁRIO MACHADO


1 A Spiridon ultrapassou os 30 anos de publicação. Que balanço faz? Esperava chegar tão longe?

Corro regularmente desde os 11 anos e desistências em competição apenas tenho 3 e sempre por razões de "grande força maior", nunca foi desistir por desistir. Quando comecei com a Revista Spiridon nunca pensei em acabar, nunca isso foi objectivo ...
A vida pode dar muitas voltas e talvez um dia surja o último número ... Mas isso não está ainda no horizonte a curto prazo, digamos nos próximos 10 anos, e por outro lado a motivação de divulgar os benefícios da prática da corrida PARA TODOS continua a 100% ...

2 Ao fim de todos estes anos não se sente algum cansaço? O que faz "correr" a Spiridon? Onde se vai buscar a motivação?

Em parte já respondi a essa questão na pergunta anterior.
Há 31 anos as mulheres apenas podiam correr 800 metros, os "velhos" (leia-se indivíduos com mais de 35 anos) não iam além de ter autorização de avançarem mais do que 3 km ... esta era a situação, em Portugal e no Mundo.
A Spiridon surgiu para arrasar essas leis absolutamente sem qualquer fundamento, apenas enraizadas em caducos regulamentos das Federações dos vários países.
Ao lançarem-se a Spiridon em francês, depois em alemão e dois anos mais tarde em português, o grupo inicial do qual faziam parte o fisiologista alemão Dr. Ernst van Aaken, Noel Tamini, Manfred Stefny, eu próprio num grupo de uma vintena de especialistas e sobretudo amantes da prática da corrida, tinha como primeiro objectivo permitir o alargamento das distâncias de fundo e grande fundo a todas as idades e em ambos os sexos. Com os anos, e muito trabalho, digamos, "invisível", esse primeiro objectivo foi totalmente conseguido e quer queiram ou não a Spiridon Portugal teve sempre um papel fundamental nesses avanços e hoje quando vemos todos a correr é com um certo orgulho e satisfação que sentimos que essas barreiras antiquadas, esse "muro" caiu também pelo nosso trabalho. Essa foi e ainda é a chave da motivação mas há ainda outras barreiras a ultrapassar...

3 Hoje é mais fácil fazer a Spiridon ou mais difícil? Pensamos que já deve haver uma experiência, saber acumulado e rotinas que facilitam as coisas, mas a um nível de colaboração e ajudas não será mais complicado nestes tempos, em que se nota um certo egoísmo para as participações colectivas e as causas públicas?

No princípio tudo foi difícil, pois não tinha experiência em lançar uma revista. Nos vários "corredores" de um pequeno "tipo" editarem  uma revista
em privado, sem a ajuda dos "tubarões" da indústria das revistas e dos jornais e o suíço Noel Tamini (fundador da Spiridon em francês) quando soube que íamos lançar uma revista SÓ PARA CORREDORES, em 1978, em Portugal, num país que na altura tinha uma inflação anual de 20%, escreveu um editorial com a frase seguinte: "Mário Machado lançou-se ao mar numa frágil jangada chamada Spiridon Portugal! "
Pois é, mesmo os meus amigos estrangeiros julgavam que eu ia afundar-me ao fim de alguns meses ...
Houve erros iniciais que me custaram muito dinheiro e isso só foi possível  por ser solteiro e por já ser Professor Efectivo de Educação Física numa Escola Secundária ... Um deles foi oferecer toda a edição do n º 1 aos participantes na Meia Maratona da Nazaré ...
Hoje tudo é diferente e é com orgulho que a Spiridon surge como a mais antiga revista desportiva portuguesa da actualidade ... Houve nestes 30 anos bons e maus momentos mas também tenho de reconhecer que houve muita ajuda anónima, de amigos corredores que ao longo de anos me ajudaram a encontrar novos assinantes. Um grande destaque vai para uma antiga glória do atletismo nacional, o veterano Adriano Gomes, um conceituado massagista do Ballet da Gulbenkian que nos primeiros vinte anos da revista muito me ajudou angariando dezenas de novos assinantes. Mas houve outros amigos, ainda hoje estão comigo mas não gostaria de citar nomes para não ferir ninguém ... No fim eles sabem quem me estou a dirigir-me. O meu obrigado pois acima de tudo é gente que gosta da corrida e num contexto absolutamente desinteressado.
Quanto a colaboradores, digamos jornalistas desportivos, médicos, treinadores, fisiologistas e especialistas em geral, há uma vasta equipa de colaboradores internacionais que são o grande suporte técnico da revista, o que implica uma grande facilidade de temas e uma constante actualização dos temas e artigos que são publicados. Quando tenho a honra, é esta a palavra exacta, de ter artigos ter na Spiridon com assinaturas de especialistas conceituados internacionalmente com Alain Bernard, Reg Harris, Franck, Nancy Davies, Frederick, Mercelo Augusti e tantos outros é algo que nos enche de satisfação e dão credibilidade técnica a uma  revista portuguesa de desporto.

4 Que futuro para uma Spiridon? Quando o seu director se reformar como vai ser? Há uma estrutura montada para passar o testemunho?

Nunca pensei nisso ... mas pense talvez qualquer dia. No final da década de noventa, uma rede de jornais portugueses, um grande grupo, fez-me uma proposta para comprar uma Spiridon. Era uma proposta economicamente muito interessante mas quando ao jantar contei à família a proposta, a minha filha, que na altura deveria ter uns 13 anos, foi a primeira a dizer que "nem pensasse em vender a Spiridon". Curiosamente a minha filha vive hoje em Brisbane na Austrália e actualmente até tem um blogue com grande aceitação no meio do surf: blogue sofianaaustralia ...

5 Como vê a existência de blogues, fóruns, páginas na Internet  sobre corrida? Que benefícios podem elas trazer à prática da corrida?

São uma chama bem viva do movimento da Corrida Para Todos em Portugal ... É algo que deve ser entendido como próximo de uma ligação instantânea "entre todos". O apoio da Spiridon é total a esses blogues e não será por acaso que no próximo número da Revista iremos apoiar uma reunião alargada com os responsáveis dos vários blogues. Mas isso ainda está em lançamento ...

6 Tendo uma longa carreira como corredor pode explicar aos leitores do blogue o que o motiva para continuar a correr ? Quais os segredos para nos mantermos corredores por muitos  e bons anos?

Regra número um: gostar mesmo, mas mesmo, mesmo de correr!
Número dois: saber escolher objectivos, digamos metas, provas, que nos motivem verdadeiramente, mesmo que sejam difíceis de alcançar!
Número três: ser paciente, saber os seus limites e saber que só correndo, só treinando é que podemos chegar a metas difíceis, mesmo que demorem alguns meses, às vezes anos...

Julgo que são três regras importantes. Foi assim que durante anos a Maratona foi o meu grande objectivo tempo (melhor tempo 2 h 29), depois passei para os 100 km (8 h 15 em Santander há 26 anos) e daí para as Ultra-Maratonas e Provas por Etapas, muito exigentes, nomeadamente uma das mais duras, a "Marathon des Sables" (melhor resultado 6 º lugar).

Agora com 59 anos o objectivo é manter-me numa certa forma, digamos correr a Maratona na casa das 3 h 15 ... Mas mais do que tudo o que quero é poder correr todos os dias, é isso que me dá gozo, satisfação e não o faço para ganhar a A ou B apenas porque gosto. Bom seria que o conseguisse fazer até aos noventa anos ...

7 Como vê o atletismo em Portugal, com especial incidência no fundo? O que pensa das medidas da Federação com a criação do escalão de M35 e o impedimento dos juniores correrem provas de fundo?
E o panorama das corrida populares em geral ? Não lhe parece que tudo vive da carolice de alguns, sem nenhuns apoios estatais ou medidas que ajudem uma desenvolver uma prática saudável?

Bom essa coisa de ser veterano aos 35 anos morreu de vez pois a FIAA foi obrigada a alterar a regra para 40 anos a partir de 2010. Foi obrigada porque houve uma corrente internacional  a criticar essa regra estúpida. O nosso Lopes foi campeão olímpico aos 37 anos e ser considerado atleta veterano era uma ofensa!
Portanto meus amigos ser veterano, ter a honra de estar no escalão M40, é só para quem tiver 40 ou mais anos no dia da prova!
Quanto aos juniores é um erro gravíssimo e que se estende há vários anos e em várias edições da Revista Spiridon já alertei para esta irresponsabilidade. Infelizmente a FPA não tem querido saber de nada, estou convencido que ninguém sabe  quem fez esse regulamento ou se sabem não querem divulgar pois em termos psico-fisiológicos é um erro muito grave e que continua a evitar que jovens corredores se dediquem à modalidade com entusiasmo. Pode-se saltar de paraquedas, fazer desportos radicais com 15, 16 anos ... Isso é legal, isso não afecta a saúde dos jovens, mas correr 10, 15 km, não, é perigoso! Uma verdadeira cretinice!
O meu sobrinho que tem nacionalidade alemã e sempre viveu em Dusseldorf, desde os 11 anos que participa regularmente em provas de 5 km , por vezes até mesmo 15 km. Participa de livre vontade porque gosta, não para ganhar a ninguém e nenhuma Federação o impede de o fazer. Se fosse um crime, como certos dirigentes portugueses o afirmam, será que os médicos da Federação Alemã de Atletismo não seriam os primeiros a criar uma regra para impedir os jovens de correr provas de fundo?

Na Alemanha não se proíbe, aqui em Portugal a FPA diz que é perigoso! ...

Será que os especialistas em fisiologia na Alemanha estão mais atrasados do que os portugueses?

Ou será que alguém se lembrou de fazer esse regulamento, em Portugal, no mesmo estilo que se utilizou quando se proibia, em 1978, as mulheres de alinharem em provas com distância maior do que 800 metros ... porque lhes fazia mal?

Quanto às provas populares, julgo que a situação actual é de constante crescimento não obstante os elevados encargos com o policiamento e outras taxas elevadas de determinadas autarquias.

No futuro penso que vão surgir mais provas, muito mais provas "fora do asfalto", como aliás acontece já na maioria dos países da Europa Ocidental. No asfalto ficarão as clássicas, aquelas provas com distâncias fixas,  perfeitamen
te aferidas: 10, 15, 21 e 42 km. Fora da estrada irão surgir outras, com traçados diversos e distâncias sem grande meio de comparação, estilo 16 km entre o ponto A e B. .. A vantagem destas corridas é que serão em locais de grande beleza, mais numa perspectiva de turismo desportivo do que competição pura e dura em que os grandes campeões internacionais são convidados.

8 Como estamos de provas? Melhorou a qualidade das mesmas? Não é muito dispendioso e mais complicado organizar uma prova hoje que há 20 anos?

É tudo uma questão de meios.
Uma grande prova internacional como um Meia Maratona de Lisboa não pode ser comparada à Corrida das Festas da Cidade do Porto, pois os orçamentos são completamente diferentes.
Como já escrevi na Spiridon, havendo orçamento consegue-se estruturar uma corrida em qualquer local. Na última "Marathon des Sables", fiz parte da equipa organizativa da prova na qualidade de Director dos Controladores (uma equipa de 21 elementos, de vários países, responsáveis pelo controlo técnico da prova de 820 atletas em pleno Deserto do Sahara). Confirmei que se existir uma boa logística é possível organizar uma grande prova com uma duração de uma semana num dos locais mais inóspitos do planeta. Evidentemente que quando temos à disposição 3 helicópteros, 3 aviões, 100 veículos 4x4, 16 Camiões TIR e um número incalculável de meios logísticos, (como por exemplo 47 médicos!) tudo é bem mais fácil quando comparado com uma corrida que se disputa por exemplo na aldeia do Sabugueiro e onde o único veículo da organização se calhar é talvez um velho Fiat emprestado por um tio ...

Em Portugal há muito a tendência de se compararem provas, nomeadamente por parte dos atletas, esquecendo-se os orçamentos que estão em jogo e que no fim são a "mola " de tudo. Mais um exemplo: o total do dinheiro que uma Meia Maratona de Lisboa gasta em casas de banho ambulantes ... Se calhar só existem apenas outras 10 provas em Portugal com um orçamento superior a essa despesa ... Será possível assim  fazer comparações?

Pessoalmente julgo que essa mania das comparações faz com que não surjam novos organizadores que se metam a organizar pequenas provas mas com algo diferente, que motive o grande pelotão. Pensa-se ter sempre chips, pórticos, televisão, imprensa, tenda VIP, etc, esquecendo que para fazer uma corrida bastam dois atletas e pouco mais! É isso, qualquer pessoa pode organizar uma corrida fora da estrada, é fácil e até pode ser mesmo divertido. Convidam-se 50 corredores, escolhe-se um percurso fora da estrada , num traçado por exemplo em terra batida e no fim há um grande almoço entre todos ... Fácil e dá gozo ... É isto que faz falta em Portugal e é isso que Irá nascer com a história dos muitos blogues que começam a surgir em Portugal.
Imaginemos que o "ÚLTIMO KM" organiza uma corrida limitada a 50  ou 100  corredores numa área rural. Prémios, T-shirts, não, não há, apenas uma simples classificação. No final uma grelhada com febras, pão, cerveja, bolos e sumo, o preço de inscrição é simbólico e todos estão todos pelo convívio e acima de tudo porque gostam de correr ...
O quê ... "A Bola", "O Record", "O Jogo" na segunda-feira não publicaram os resultados? Pouco importa, nas provas com orçamentos pesados também não publicam ...
Esta é uma solução, o caminho de muitas pequenas provas que irão surgir no futuro em Portugal ... fugir de grandes encargos , coisas simples e nitidamente viradas para o prazer que a corrida nos proporciona! Bem limitadas, e quem não quiser correr que não venha, na certeza de quem lá está é apenas e só porque gostou do percurso e do almoço simples .


9 Sabemos que já colaborou directa ou indirectamente na organização de centenas de provas, das mais simples até às grande organizações profissionais . Se lhe dessem "carta-branca" e meios logísticos para organizar a prova que entendesse aceitaria o desafio? Ainda tem "aquela" prova que nunca teve possibilidade de organizar?

Actualmente as duas grandes provas das "Pontes" enchem-me completamente, dão muito trabalho (como eu tenho pena de não as poder correr ...), mas também dão um gozo difícil de explicar. Depois o facto de ter sido convidado por Patrick Bauer, director da prova, para entrar para a organização da "Marathon des Sables" foi algo particularmente interessante, que me abriu outras perspectivas em termos de actualização de meios ao serviço dos corredores. Estou numa equipa que dispõe de avultados meios logísticos para organizar uma das maiores provas do mundo, o que é uma honra para mim.
Desde a primeira, das primeiras provas que organizei, a Nazaré, fui o primeiro a organizar provas com 500 atletas, 1000, 2000, 3000 enfim até 30000 corredores. Tive a felicidade de ser o primeiro a lançar a primeira pedra ... Agora nesse capítulo julgo que atingi muitas metas que há 30 anos nunca pensei atingir.

"Carta-Branca" para organizar uma prova de sonho? Claro que tenho esse sonho mas não seria numa aposta na quantidade como nas Meias das Pontes mas mais em termos de qualidade e sempre com um limite de inscrições e procurando uma organização com grande qualidade técnica e de serviços. Não farei muita força para organizar essa prova com carta "branca" mas se surgir um convite tentador talvez o abrace. Nos últimos anos tive várias propostas para organizar provas mas a maioria delas são do estilo "mais do mesmo" e cujos promotores, as pessoas que me convidam, apresentam um perfil com um perfeito desconhecimento da realidade desportiva do País, como aquela no ano passado em que um determinado Presidente de uma Câmara Alentejana queria uma prova de Meia Maratona, em Julho, com 5000 atletas!
Só para rir ... E quando lhe disse que isso era impossível retorqui: "Você não quer é trabalhar!"


10 Para a esmagadora maioria dos corredores portugueses a distancia limite é a meia maratona. Como se pode modificar isso para termos mais maratonistas?

A primeira prova de corrida "Aberta a Todos" que surgiu foi a Meia Maratona da Nazaré organizada por nós. Foram 21 km e a distância vingou como grande marco para os desportistas portugueses e ainda hoje o é, o que nos dá um certo orgulho, pois uma proposta desportiva com trinta e tal anos mantém-se bem viva.
Para mudar é difícil. Em Espanha já há 44 provas de Maratona (42.195 metros), aqui no nosso "quintal" tudo é mais "lento", apenas tivemos em 2009, exactamente 27 provas com mais de 1000 atletas classificados e destas apenas 10 são de 21 km,  as outras são de  distâncias
menores.
A aposta, penso eu, poderia ser a criação de Centros de Treino de Maratona, como a Spiridon montou no princípio da década de oitenta e onde o objectivo dos atletas inscritos seria correr a maratona. Há ainda muitos e muitos corredores que praticam o nosso desporto sem qualquer apoio sem grandes conhecimentos técnicos e se isso pode possibilitar chegar ao fim de uma corrida de 21 km, quando a distância duplica tudo é mais problemático e só se poderá atingir a meta com um racional apoio técnico pois as exigências fisiológicas de uma prova de maratona são bastante acentuadas.


11 Quer contar-nos alguma pequena história relacionada com a corrida que nos faça sorrir?

No final da década de oitenta vivia em Linda-a-Velha e dava aulas na Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho em Lisboa. Duas vezes por semana saía a correr de casa às 6 h 30 da manhã em direcção a casa dos meus pais, em Benfica, onde tomava banho e depois ia para a escola. Era um treino agradável por Monsanto com uma duração de 60 minutos. Um dia de Inverno, ou melhor, de noite, saí de casa a correr como de costume em direcção a Benfica, mas ... estranhamente não havia carros a circular nas estradas. Passava ora um, ora outro, espaçadamente ... Dei comigo a pensar que tinha havido outra revolução, outro "25 de Abril". Era isso mesmo, não havia o trânsito habitual das 7 e Picos porque tinha havido uma revolução durante a noite ... Quando meti as chaves à porta da casa dos meus pais, perguntaram-me: então o que fazes aqui? São 4 horas da manhã e andas  a correr nas ruas ? Pois é, tinha-me enganado nas horas e em vez das 6h30 habituais saí de casa às 3 horas da manhã ... Quem me visse a correr por Monsanto às 3 da matina certamente pensaria que era maluco ...

12 Agradecemos a sua disponibilidade em dar esta entrevista ao "Último Quilómetro" e pedimos-lhe que deixe uma mensagem final aos leitores / corredores deste blogue. Obrigado.

A corrida deve ser entendida como algo próximo da frase "a mais importante das coisas secundárias" e para os que pretendem correr durante muitos e bons anos o segredo é sempre "correr quando isso nos dá satisfação e nos faz pensar um pouco mais em tudo o que nos rodeia".

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CROSS LAMINHA

Na sequência da afirmação do Prof. Mário Machado, sobre a tendência para o aumento de provas fora da estrada e ruas das localidades principais, ou seja, com atractivos diferentes, realizou-se no passado domingo, 17 de Janeiro, mais um “Cross laminha” nos arredores de Cumeira (Porto de Mós). Tal como o nome indica, lama é coisa que não deve faltar.Se isso tem sido verdade nos anos de “pluviosidade normal”, o que estaria reservado para este ano? Uma agradável surpresa, naturalmente! Iniciar este pequeno texto com esta afirmação pode levar alguns dos nossos amigos corredores, que nunca participaram em provas deste género, a chamarem-me maluco, pelo menos, e a “desligarem a leitura”, no entanto, os 179 (198 inscritos) participantes no percurso de 11,1 kms de corrida e mais os 40 na caminhada de 6 Kms, certamente fazem deles esta “esquisita” afirmação. A organização cumpriu a promessa, voltando a oferecer um percurso de grande qualidade – trilhos estreitos cheios de beleza, carreiros com muita água e lama, obstáculos naturais à altura (pedras e troncos), ingredientes característicos dos percursos de montanha mais radicais, embora sem desníveis acentuados. Quanto às marcações e aos colaboradores colocados em zonas que poderiam oferecer alguma dúvida, estiveram de acordo com a afirmação do principal coordenador (Victor Ferreira) – se com marcações de 20 em 20 metros alguém se enganar, é castigado - não almoça! Claro que estes atletas, ou outro nome que lhes queiram chamar, são daqueles que não se importam de serem classificados em “escalão único”, que acabam a aventura a rir, agradados pelas dificuldades que lhes colocaram, dispostos a continuar o convívio (almoço) e a aceitarem as lembranças de presença (telha e prato em barro característico da zona), como substituição das habituais, e repetitivas, taças, medalhas e camisolas. Só apresentam uma reclamação – que tenham de esperar doze longos meses para repetirem a dose!

António Belo

domingo, 10 de janeiro de 2010

AS MINHAS HISTÓRIAS DA CORRIDA (I)

O texto do Egas Branco sobre as idas ao hospital de “superatletas” era uma indirecta para mim – foi no carro dele que a minha roupa estava guardada naquela manhã de domingos nos meados dos anos 80 e a prova era a Corrida do Diário de Notícias. Mas para enquadrar o caso é necessário rebobinar o filme.
Comecei a correr, ao fim de alguns anos de interregno de actividade física, com mais dois amigos nos terrenos anexos ao estádio do Jamor. Eu era o menos preparado e o final do treino acabava invariavelmente com a subida da Pierre Coubertin (ainda hoje me custa a fazê-la). No último terço, eu já ia com os bofes de fora, mas um dos meus camaradas não estava muito melhor que eu e, naquele ponto da subida, em voz ofegante, dizia para o outro parceiro (que entretanto se tinha adiantado uns 20 metros em relação a nós): “Vai mais devagar porque o Palma está cansado!” Amiguinho, como se vê… Foi aí que conhecemos o Egas e o Jorge.

Os “atletas” vigaristas

Entretanto, resolvi estrear-me numa prova: a Corrida de Algueirão Mem-Martins, onde se homenageava a Rosa Mota, recém-campeã europeia, e que foi o maior desastre organizativo a que alguma vez assisti – 3 ou 4 falsas partidas, grupos a correr cada um para seu lado e, por fim, anulação da prova.
Algo que me deu um certo gozo, no entanto, foi o facto de o mais bem preparado de nós ter ido para a frente e, depois de ter arrancado por duas vezes e voltado para trás, à terceira, depois de correr cerca de um quilómetro e lhe terem dado indicação que a partida tinha sido mais uma vez anulada, quando ia a regressar, dá com parte do pelotão, que tinha partido de novo, e resolve entrar na corrida ali mesmo.
À noite, na reportagem da RTP, o comentador referia-se ao descalabro que tinha sido a prova, mas acrescentava que os participantes, com a sua falta de espírito desportivo, também tinham contribuído para o desastre e, como exemplo, apresentava em grande plano a imagem de um atleta a entrar na corrida com esta já a decorrer – nada mais, nada menos que o meu amigo, que logo ali ganhou a alcunha de “Vigarista”.
(Ele, anos mais tarde, vingou-se, quando a Revista de Atletismo publicou uma foto de um atleta em cadeira de rodas com uma legenda do tipo: “As deficiências físicas não impedem a prática do desporto.” É que ao lado do atleta em cadeira de rodas aparecia um “coxo”, que era eu. Obviamente, essa foto teve larga difusão, em especial nos “placards” da empresa onde trabalhávamos.)

Meta em Santa Maria

Ainda a refazer-me da estreia falhada em Algueirão Mem-Martins, resolvi inscrever-me para a Corrida do Diário de Notícias, que tinha cerca de 12km, com início e fim no Marquês de Pombal, em Lisboa. Andei a treinar-me para a prova, mas, na semana que a antecedia, por acumulação de trabalho, não corri nada. Por isso, na véspera da corrida, num sábado à tarde, resolvi, juntamente com o meu colega mais bem preparado (o “Vigarista”), fazer um treino puxado de 13-14km, em ritmo de competição, num percurso com muitas subidas e descidas, “para ver se estava bem”.
No domingo de manhã, dia da prova, para reforçar a asneira, decidi ir em jejum para a corrida, para me sentir mais levezinho. Como tínhamos ido de transportes, eu e o meu camarada deixámos a roupa no carro do Egas e do Jorge Branco.
Começa a corrida e tento acompanhar o ritmo do meu parceiro. Resultado: por volta dos 7km, já estava a ficar vermelho e sem ar, senti que não conseguia manter a pedalada e disse-lhe para ir para a frente, que nos encontrávamos na meta. Eu ainda continuei mais uns 2km, mas no Saldanha caí redondo no chão e fui evacuado de ambulância para o Hospital de Santa Maria, com suspeita de ataque cardíaco grave.
Fiquei em observação um par de horas nas Urgências e depois transferiram-me para os Cuidados Intensivos. À noite, com os dados vitais estabilizados e tendo os médicos chegado à conclusão que se tinha tratado de um caso de esforço excessivo e de total falta de açúcar no sangue, deram-me alta, com um aviso para ter juízo, porque tinha estado em risco de vida e da próxima vez poderia não ter tanta sorte.
(Foi a partir de aí que comecei a ler tudo sobre a corrida, a recuperação e a fisiologia de esforço, e a tomar suplementos vitamínicos – ao ponto de os meus colegas me chamarem “O Drogas”).
Entretanto, se eu estava relativamente bem lá dentro, cá fora foi bem pior. O meu companheiro esperou por mim na meta até chegar o último e começou a ficar preocupado. Dirigiu-se à organização e foi informado que um participante tinha sido levado para o hospital. Aflito, dirigiu-se ao carro do Egas e do Jorge e lá foram juntos para Santa Maria. Chegados lá, como eu estava ainda nas Urgências, não lhes podiam dar qualquer informação – teriam de aguardar.
Por uma (in)feliz coincidência, estava lá a ambulância que me tinha transportado e um dos bombeiros, ao ver os meus amigos, dirigiu-se a eles e informou-os que eu tinha vindo inconsciente e não tinha recuperado o conhecimento. E depois acrescentou o comentário assassino: “Se o vosso amigo ainda está nas Urgências ao fim deste tempo todo, é melhor prepararem-se e avisar a família, que ele já não deve recuperar.”
Imagine-se como ficou o meu colega, que até tinha sido quem me incentivara para me iniciar na prática da corrida, ao ter de dar a notícia à minha mulher, que estava em casa à espera sem saber de nada. (Nesse preciso momento, eu já tinha recuperado há algum tempo e estava feliz e contente a beber leite quente com açúcar e a comer bolachas Maria.)
Vá lá, ele não se precipitou, resolveu aguardar mais uns momentos antes de fazer o telefonema fatídico e entretanto recebeu a notícia que eu estava bem.
A prosa já vai longa, por isso fico por aqui, com a promessa de uma segunda parte com mais histórias. João Palma

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

ESTÓRIAS TRÁGICO-CÓMICAS DA CORRIDA A PÉ

1-Duche Forçado - Mafra, IIª Corrida dos Sinos, 12-Fev-1984

Em tempos idos a meta situava-se no fim de uma longa subida pela avenida, a dos Bombeiros, que termina em frente do Convento, o que exigia alguma forma para terminar em força, depois de mais de 14 km de desgaste, dos quais metade praticamente a subir. A prova desse ano não me estava a correr mal, mas a rampa final estava a custar-me.
Alguns assistentes davam água aos atletas (bons tempos!). Eis senão quando um deles se aproxima da berma da estrada com um balde de água na mão, quando me aproximava. E tudo foi tão rápido que não deu tempo para me afastar nem sequer para protestar. Quer quisesse quer não, levei com a água que enchia o balde pela cabeça abaixo.
As intenções do assistente suponho que eram boas, mas temi o pior, receando um colapso. A verdade é que o violento choque térmico recebido, porque não estava frio nessa manhã de Fevereiro, teve sobre mim um efeito galvanizador e perante aquele duche forçado, subi a velocidade nunca antes sonhada, acabando por bater amigos que normalmente chegavam antes, conseguindo o meu recorde pessoal naquele prova, que aliás nunca mais bati… Mas também nunca mais me aproximei demasiado de um espectador com um balde de água na mão!

2-Cartão de Controlo Extraviado - Nazaré, XIª Meia-Maratona, 17-Nov-1985

A forma até não era má, a poucas semanas de fazer mais uma Maratona. Tanto que andei rápido para as minhas possibilidades, na mira de um bom tempo naquela carismática prova. Na subida já dentro de Famalicão, cruzei-me com alguns amigos e verifiquei que estava bastante melhor que o habitual e tinha deixado para trás muita gente conhecida. O bidão de retorno aproximava-se velozmente. E então o inacreditável aconteceu. Não uma troca da ordem de letras quando matraqueamos o teclado com velocidade excessiva, ou até de palavras, mas algo de muito mais grave. Troquei simplesmente as ideias! “Dar” em vez de “receber”. E sem pensar arranquei o cartão de controlo e deitei-o dentro do bidão.
O colar de controlo foi-me efectivamente depois entregue, quando já iniciava o regresso à Nazaré, mas o mal estava feito e apesar da magnífica prova que fiz dessa vez, ainda na esperança de conseguir convencer os controladores dos funis da desgraça que me acontecera. De facto jurei a minha inocência, protestei, entreguei o dorsal, apresentei testemunhos dos atletas que chegaram junto. De nada me serviu. Fui irremediavelmente desclassificado. Mas bastava que tivessem ido verificar aquele maldito bidão para encontrarem lá dentro o meu cartão de controlo. Ninguém se ralou. Era apenas mais um atleta de pelotão, sem importância entre milhares. De facto não tinha importância nenhuma. A não ser para mim. E assim fiquei com menos um registo oficial de participação numa meia-maratona que de facto fiz. E ainda por cima, com o melhor tempo naquele percurso. Escusado será dizer que no ano seguinte lá estava outra vez, como muitas vezes depois, mas durante muito tempo olhei de lado para fatídico bidão a pensar, “que falta o oxigénio nos faz…”

3-Os Hospitalizados

Foi na IIª Maratona Spiridon, no Autódromo do Estoril, em 18-Dez-1983. Era a minha primeira maratona. Evidentemente que a encarei com todos os cuidados, seguindo à risca as instruções recebidas no “Centro de Treino” e procurando cumprir os tempos de passagens previstos para as oito voltas no Autódromo, onde dessa vez os sapatos substituíam os pneus e a água a gasolina.
Já não sei em que volta foi, mas seguramente para cima dos 30 km, que se me depara uma cena de arrepiar. Um atleta amarfanhado no chão, a gritar desalmadamente “acudam-me que eu morro!”. Sei que fiquei apavorado. Que corri o mais que pude para o posto de controlo mais próximo, que não era longe, a pedir auxílio.
Não morreu! Mas espero que tenha aprendido a lição de nunca mais andar mais rápido do que podia numa Maratona.

Mas apesar de todos os nossos conselhos, que resultavam da experiência de já termos algumas dezenas de participações em competições de estrada, havia sempre um ou outro companheiro que se esquecia dessa regra primeira do desporto - “nunca ir além do limite”.
E o resultado era sempre o mesmo! No final das provas, lá íamos nós, buscá-los às UCI’s ou aos SO’s dos hospitais mais próximos! Houve até quem tivesse que lá passar muito mais que um bom par de horas. Agora até dá vontade de rir. Mas na altura… Acreditem que aconteceu várias vezes, até a camaradas que depois se viriam a transformar em excelentes atletas, quando compreenderam finalmente a razão da máxima. E não era preciso tratar-se de provas longas. Bastavam os 10 ou 12 km, para os nossos amigos, na ânsia de acompanharem a cabeça da prova caírem para o lado exaustos e só recuperarem com oxigénio e soro forçados, no leito de um hospital! Para grande preocupação nossa e das famílias. E ainda por cima com a roupa dos atletas hospitalizados, guardada nos nossos carros!



EVB, 22 de Dezembro de 2009

*Nota: A foto ilustrativa deste texto foi retirada da internet.
Um, dos muitos, percalços que podem acontecer a um corredor mas que não são razão para desistir!*