segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ENTREVISTA A ALZIRA LÁRIO

Pese embora a entrevista aqui transcrita já tenha sido publicada no jornal “Notícias de Barroselas” e no “Fórum do Mundo da Corrida” não quisemos deixar de a trazer ao conhecimento dos leitores do Blogue prestando assim a nossa homenagem à melhor ultra maratonista portuguesa de todos os tempos e umas das melhores a nível da elite mundial. Pedimos autorização, por escrito, à Alzira Lário para a publicação da entrevista e queremos agradecer a enorme simpatia com que nos respondeu.


Entrevista a Alzira Lário ao Jornal Notícias de Barroselas

Notícia de Barroselas- Quando é que descobriu o gosto pelo atletismo? Alzira Lário: Não queria começar esta entrevista sem antes pedir desculpa aos meus amigos do jornal Notícias de Barroselas por ter demorado tanto tempo em vos conceder esta entrevista, aqueles que me conhecem sabem que antes queria correr uma prova do que aceitar dar uma entrevista. - Apesar de me ter casado com um homem que sempre esteve ligado ao desporto e inclusive nos seus anos de estudante ter praticado atletismo, nunca me passou pela cabeça praticar desporto, tinha outras coisas que gostava mais de fazer, e mesmo antes de ter ido para Espanha fui dirigente do Grupo de escuteiros de Alvarães, pertenci a varias associações juvenis, mas desporto não era nada o que me apetecesse fazer, nunca me tinha pensado fazer mesmo como manutenção. Já vivia há alguns anos em Espanha e comecei a ter umas dores lombares que me deixavam de cama vários dias, e aconselhada pelo médico para que fizesse exercício físico pois isso ajudaria a melhorar essas terríveis dores, e uma vez que a minha filha Xana já pertencia a um clube de atletismo onde havia pessoas da minha idade e mais velhas, animada pelo meu marido lá comecei a fazer as minhas primeiras corridinhas. Era horrível, dores musculares, a chuva, o frio, mas lá fui começando a correr meio contrariada. Os dias foram passando e as dores de costas foram desaparecendo, comecei a tomar menos medicamentos e em pouco tempo já nem sequer os tomava. Isso fez com que fosse seguindo a treinar, um dia meio na brincadeira o meu marido inscreveu-me numa prova de quinze km em Vigo e nessa altura eu já pensava que corria muito. Lá fui eu, deram a partida e eu lá fui sempre acompanhada pela ambulância, claro era a última, mas eu nem me tinha apercebido disso, quando finalizei a prova, quase duas horas depois, fiquei muito desiludida, na meta já só o meu marido e os meus filhos estavam à minha espera, os restantes atletas já tinham recebido os prémios e já deviam estar em casa, tanto foi o tempo que demorei. Estava desanimada, ''isto de correr não era para mim''. Mas depois de terminar e falando com o meu marido e de lhe responder que tinha corrido sempre sem parar ele me disse que se seguisse a treinar ainda podia ser uma boa atleta, tinha eu nessa altura vinte e oito anos. Na verdade ele tinha razão, não desisti, e em pouco tempo vi melhorar os meus resultados, tanto ia melhorando que comecei a gostar daquilo que fazia e já não podia passar sem os meus treinos diários. Foi assim que começou a minha paixão pelo atletismo. NB- Fale-nos um pouco de seu grande percurso ligado ao mundo do atletismo? AL- Andei aproximadamente cinco anos a participar em todo tipo de provas populares, Vencia muitas delas, até que me dediquei exclusivamente a treinar e passei a fazer do atletismo a minha profissão, treinava mais de cinco horas diárias e os resultados começaram a aparecer, em 91 e 92 terminei quinta na maratona de Lisboa tendo conseguido a medalha de bronze em 91 e a de prata em 92 nessa mesma maratona, uma vez que nessa prova se realizava em conjunto o campeonato nacional. Mas a primeira grande vitória da minha carreira desportiva foi no dia 25 de Abril de 1993 em Madrid ao vencer a Maratona de Madrid, sou até hoje o único atleta português que venceu essa maratona. Nesse ano ainda venci a maratona de Galiza, de Toral de los Vados em Leão e La Rioga. Todas em Espanha. Foi nesse ano que fiz o meu recorde pessoal na Maratona de Roterdão na Holanda onde terminei em sexto lugar. Com estes resultados a federação portuguesa de atletismo não podia ficar indiferente e convocou-me para a taça do Mundo a disputar em S.Sebastião em Espanha. Era a minha primeira internacionalização e queria faze-lo bem, mas uma fractura de stress numa perna não me permitiu render como esperava, mas estava feliz tendo começado com a idade que comecei, que mais podia esperar deste desporto. Nessa altura e sabendo que a minha velocidade, que não foi trabalhada quando era jovem, não iria melhorar muito, e gostando eu de correr ao mais alto nível, junto com o meu marido e a equipa médica, decidimos que deveríamos tentar provas mais longas. E a partir desse momento, centrámos toda a preparação nas provas de cem km, e começamos logo a reunir toda a informação para preparar a primeira. Preferíamos que tivesse sido logo num campeonato do Mundo. Mas, uma falha da federação portuguesa não permitiu que assim fosse. Um dia contarei o que se passou. Como não podíamos participar no campeonato e já tínhamos a preparação toda feita havia que conseguir uma prova de nível internacional para que o resultado final tivesse a repercussão que se merecia. Foi no mês de Junho de 1994 em Touhrout na Bélgica “Night of Flanders 100 km”, foi incrível, ninguém me conhecia mas desde o princípio fui com a primeira, ela era uma reconhecida atleta, duas vezes campeã do Mundo, mas isso não me intimidou, lado a lado, ela aguentou só até aos 50 km, eu, a partir desse momento fui para a frente da prova e ninguém mais me apanhou ate a meta. Primeira prova dos 100 km e primeira vitoria, 7 horas 34 minutos e 27 segundos, melhor marca europeia do ano e sétima melhor do mundo. Ainda hoje é a melhor marca realizada por uma atleta em provas na Bélgica, e recorde de Portugal e ibérico. Mais tarde fiquei triste porque o campeonato do mundo tinha sido ganho por uma atleta que realizou uma marca pior que a minha, três minutos. Depois de, entretanto vencer mais duas provas de 100 km Madrid e Santander, fui convidada para participar numa prova por etapas, entre Viena de Áustria e Budapeste na Hungria, em cinco dias tinha que correr 345 km, entre nos quais um dia de 120 km, mas eu não estava ali para passear e desde o segundo dia passei para o comando e fui a primeira a chegar a Budapeste, Das cinco etapas só perdi uma e foi com uma grande campeã Eleonor Robinson da Inglaterra. Na África do Sul venci em Pretoria antiga capital da Maratona Mike Pauel em homenagem a este grande atleta sul-africano. E depois de inúmeras vitorias e para terminar com chave de ouro tinha pela frente a possibilidade de vencer a rainha de todas Ultra maratonas, a possibilidade de tocar o Olimpo dos Deuses, como dizem os Gregos. O “Spartathlom” a prova mais dura do mundo, a prova que só aqueles atletas especiais são capazes de terminar, e eu tive a sorte de vencer, e digo sorte porque mesmo estando ao meu mais alto nível de preparação como são tantas horas a correr, tens que conjugar muitos factores, treino, alimentação, hidratação, treino psicológico, mudanças bruscas de temperatura de zero a mais de quarenta graus, é a isso que me refiro que é preciso sorte nesse dia para poderes aguentar todos estes factores. Foram 246 km entre Atenas e Esparta por estrada e através da montanha, Saímos as sete da manhã de sexta-feira e cheguei a Esparta depois do meio dia de Sábado, sempre a correr sem parar, foi incrível milhares de pessoas a verem-nos passar, milhares de pessoas em Esparta a verem-nos chegar, e ao fundo da avenida aí estava a estátua do Rei Leónidas, onde tínhamos que tocar. Ao lado da estátua, o presidente da Câmara de Esparta com a coroa de oliveira que me colocou na cabeça e me deu a beber água sagrada, junto a ele estavam seis jovens vestidas de branco que simbolizavam as deusas do Olimpo. Gostava de poder contar muitas mais coisas mas fica para uma próxima oportunidade. NB- Com que idade começou a participar em provas oficiais? AL- As primeiras provas oficiais, comecei a faze-las quando já tinha mais de trinta anos, Apesar de ter começado a correr representando o Centro Português de Vigo e aí só participava em provas populares, os responsáveis do Celta de Vigo rapidamente se aperceberam dos meus progressos e neste clube fui campeã da Galiza de clubes, e vice campeã de Espanha também de clubes, assim dava os primeiros passos como atleta a sério. NB- Tem ideia de quantas provas participou ao longo da sua carreira? AL- Não, foram tantas que seria impossível quantificar.NB- E quantas vezes conquistou lugar no pódio?AL- Se me perguntares por campeonatos nacionais ou internacionais podia-me lembrar. Posso te dizer que dei centenas de taças e troféus para corridas de crianças e que ainda hoje guardo mais de mil NB- Qual foi a prova que mais a marcou positivamente e negativamente? AL- O “Spartathlom” na Grécia, nunca acreditei que fosse capaz de participar nela, Conseguir prepara-la, corre-la e vencer, que mais se pode pedir para terminar uma carreira de alta competição. Nenhuma prova me marcou negativamente. Todas as contrariedades por que passei, eu aproveitei-as sempre como ensinamentos para melhorar. NB- A Alzira Lário correu muitos anos em Espanha. Em termos desportivos, está desiludida com o seu país? AL- Não gostaria de aplicar essa palavra, Estou triste com algumas pessoas que dirigiam e dirigem os destinos do atletismo em Portugal, Portugal é muito mais que essas pessoas, tive o convite muitas vezes para correr por Espanha, de representar esse pais onde tenho muitos amigos e reconhecem muito mais o que eu fiz do que no meu, mas sempre fui e serei Portuguesa, Sou Alvarenense. Esta terra que amo e que me viu nascer. NB- Há alguns anos veio viver para Portugal e cá criou a sua equipa de atletismo. Teve apoio das instituições portuguesas? AL- Da Câmar de Viana tive tudo que ela me podia dar, e nisso estarei sempre grata ao seu presidente Defensor Moura e a Dra. Flora. Da Junta de Freguesia começou bem apoiando-me a escola, mas um presidente sem personalidade fez com que todo o trabalho que estávamos a realizar ficasse praticamente parado, mas prefiro não falar mais dele, já se foi nestas eleições e espero que os que ganharam queiram fazer alguma coisa. Eu sempre estou disposta a trabalhar pela minha terra. NB- Que tipos de apoios acha que são necessários? AL- São necessárias instalações, e boa vontade, o resto faz-se. Não quero neste momento avançar mais sobre este tema, estes que ganharam ainda não tiveram tempo de arrumar a casa, vamos esperar para ver. NB- Desde que surgiu, como é que tem decorrido a prestação da equipa de atletismo Alzira Lário? AL- Neste momento fizemos uma paragem para ver se avança alguma coisa no sentido de criar algumas condições mínimas. Foi lindo ver tantas crianças a correr pelas estradas de Alvarães. Os resultados foram óptimos, a nível individual conseguimos vários campeões regionais, e a nível nacional tivemos uma atleta que venceu o Olímpico Jovem Nacional, e fez a melhor marca do ano em 1000 metros e a segunda melhor marca de 800 m. Fomos uma vez já Campeões Regionais de Corta Mato derrotando a poderosa equipa da Manuela Machado e do Olímpico Vianense. Temos já muitos pódios nos campeonatos regionais, é pena o que se está a passar em Alvarães porque já podíamos ter muito mais. NB- E a Alzira ainda participa em provas de atletismo? AL- Como atleta não. Mas sou convidada para assistir a muitos eventos desportivos, em Espanha sigo sendo homenageada por muitas organizações e Câmaras Municipais, só para recordar a última foi em Baiona, onde tive que voltar a subir ao pódio, desta vez não para receber um prémio, mas sim para receber o aplauso de mais de mil atletas que ali estavam e ainda se lembravam de mim. Foi lindo. NB- Como é que vai mantendo a forma física? AL- Agora já não e fácil, sabes que tenho o meu SCALA e ele agora necessita de mim, estou a brincar, quando posso saio a correr um bocadinho, mas adoro estar com os meus clientes e de vez em quando contar-lhes algumas das histórias que vivi por esse mundo fora, e parece-me que eles também gostam. NB- Em Alvarães, sua terra natal, tem alguns projectos que gostaria e concretizar. Quer dar-nos a conhecer esses seus projectos para a freguesia? AL- Precisamos de um pavilhão, um espaço onde os miúdos e não só possam fazer desporto com um mínimo de qualidade, A Câmara Municipal tem que olhar para Alvarães e ver que não é só mandar-nos para aqui bairros sociais, nesses bairros vivem muitas crianças, e em Alvarães são muitos os jovens que têm que ir fora da terra se querem praticar desporto. E aqueles que os pais não tenham possibilidades, ficam por aí sem nada para fazer, e nos dias de hoje eles devem estar ocupados, devem estar com formadores, só assim cresce uma sociedade mais justa e mais responsável, eu que não tive aqui a oportunidade de fazer desporto, não gostaria que dentro de alguns anos alguém tenha que contar que tal como eu, teve que ir procurar fora as condições que aqui nós mais velhos e responsáveis não lhe podemos dar. NB- Para terminar, que mensagem gostaria de deixar aos leitores? AL- Uma saudação especial a todos os leitores do NOTÍCIAS DE BARROSELAS, e que não deixem de apoiar este grande jornal, sei que é com muito esforço que todos os meses este jornal chega a todos nós. Eu sou uma leitora assídua deste e de outros jornais regionais, eles trazem até nós as notícias do nosso povo, da nossa gente. E a todos que fazeis este jornal o meu muito obrigado por poder aqui contar um pouco da minha vida. OBRIGADO.

::: PERFIL :::Nome: Alzira LárioIdade:52Naturalidade: Portuguesa - Alvarãesn.º de filhos: dois (Xana e Berto) Clubes que Representou: Centro Português de Vigo, Real Club Celta de Vigo, Spor Club Vianense, Sport Club Valenciano, New Balance de Vigo, Atletismo Porrinho/New Balance e Alzira Lário Atlético Clube de AlvarãesInternacional: 18 vezes Prato preferido: Esparguete à bolonhesaUm país: GréciaUm lema da vida: Nunca é tarde para começar se acreditares que és capaz

2 comentários:

  1. Só conhecia "de raspão" a Alzira Lário; sabia que tinha ganho a Spartathlom e pouco mais. Nem sequer sabia que éramos praticamente conterrâneos (naci em Viana).
    Obrigado pela publicação da entrevista.

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  2. Ola Joao, espero um dia ver te por aqui. Vivo em Alvaraes onde tenho o SCALA BAR, se quiseres vir um dia tomar um cafe sera um prazer conversar sobre atletismo.
    Alzira

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