Decorria o fim-de-semana de Páscoa
do ano de 1987, ou seja em 18 de Abril.
Estava calor em Vila Real de
Santo António naquele fim-de-semana. Os espanhóis “abancados” nas esplanadas
assistiam a uma prova de atletismo muito “estranha”: 25 “malucos” (pelo menos
esse é o número de classificados)
propunham-se correr durante 12 horas num percurso gizado entre Vila Real de
Santo António e Monte Gordo sendo a classificação dada não pelo primeiro a
cortar a meta mas pelo número de km que cada um conseguisse correr nas 12
horas.
Era a segunda edição das 12
horas de Vila Real de Santo António.
Eu tinha 26 anos, quase à
beirinha de fazer 27 e alinhava nessa “loucura”.
Foi nessa prova que recebi o
maior e mais injusto elogio da minha carreira: a dada altura da prova outro
participante diz-me: você é como a Brasileira nunca pára!
Confesso que não entendi nada
e dei uma qualquer resposta.
Eu estava aliás a correr em
estado “zombie” entre Vila Real de Santo António e Monte Gordo e os meus dois
grandes objectivos era alcançar o abastecimento líquido em Monte Gordo dados
por uns jovens colaboradores da organização e chegar ao carro do meu tio em
Vila Real de Santo António onde tinha o abastecimento sólido e por onde andava
o Professor Mário Machado.
Se havia uma Brasileira na
prova foi coisa em que não reparei!
Mas havia sim senhora e era a
Analice que tinha chegado no ano anterior a Portugal e alcançaria o seu
primeiro grande feito em terras lusas ao vencer a prova no escalão feminino!
Eu estava a anos-luz das
capacidades, e da genética, daquela grande atleta por isso foi o maior e mais
injusto elogio que me fizeram numa prova.
Tão feliz e tão absorto com a
minha participação na prova confesso que nem na cerimónia de entrega de prémios
me lembro da Analice.
A Analice fechou o sexteto de
atletas que faria mais de 100 km e ficou imediatamente atrás de mim na
classificação separados por uma escassa diferença: 101,650 km eu 100,900 a
Analice.
A partir daí nunca mais eu
chegaria à frente da Analice numa prova e ela dispararia para uma carreira
ímpar de grande campeã e eu remeter-me-ia há minha modestíssima carreira de
corredor de meio de pelotão.
Mas se nem dei pela Analice em
Vila Real de Santo António a partir daí comecei a estar atento àquela pequena e
possante atleta.
Primeiro quando a vi passar
nas provas gritava força Brasil! Mais tarde o nome Analice entrou no meu léxico
e chamava pelo nome: sempre recebia em troca aquele sorriso lindo e doce.
A Analice transformou-se na
grande senhora que foi na corrida, na grande e extraordinária atleta que todos
reconheciam mas eu tímido como sou nunca fui de meter conversa com ela tirando
aqueles incentivos quando a via passar.
Mas não esquecia aquela Brasileira
que em 1987 nunca parava naquela prova de “malucos”.
Muito mais recentemente fui
ver passar a Ultra-Maratona Caminhos do Tejo (a prova
que liga Lisboa a Fátima), que passa a escassos 3 km da minha casa na outra
margem do Tejo.
Coloquei-me estrategicamente
junto da EPAL entre Valada e Porto de Muge e esperei pela passagem de todos os
atletas e quando passou a Analice fiz-lhe aquela festa e foi aí que quem a
acompanhava de bicicleta fez a apresentação: este é que é o Jorge Branco.
Naqueles escassos cerca de
dois km que separam a EPAL da Ponte Dona Amélia onde eu teria de atravessar
para a margem sul do Tejo fui avançando na minha motorizada, parando, esperando
pela Analice e batendo-lhe palmas, fiz isso n vezes e de todas elas ganhei um
sorriso maravilhoso e esta imagem que guarda desta atleta extraordinária, deste
ser humano excepcional, desta Brasileira que nunca parava.
Um pouquinho do que sou como
atleta, esta teimosia em continuar a correr mesmo quando já tenho fracas
condições atléticas deve-se também ao exemplo desta pequena grande mulher.
Enquanto tiver um pingo de
força vou “levar” a Analice na minha passada, ela vai juntar-se ao Francisco
Pedro, tragicamente falecido em plena recta da meta dos 20 km de Almeirim e ao
Sálvio Nora que tão cedo partiu e tanto me ensinou sobre a magia das montanhas.
Eu sou muito terreno, muito
pouco de acreditar noutras dimensões mas se as houver tenho certeza absoluta
que a Analice por lá andará a correr que a Brasileira nunca pára!