Egas
Branco
Colaboração:
Jorge Branco
MEMÓRIAS DOS TRÊS
ESTÁDIOS (I)
- ESTÁDIO 1º DE MAIO,
em Alvalade, Lisboa
- ESTÁDIO DO JAMOR
(antigo EN - Estádio Nacional), na Cruz-Quebrada, Oeiras
- ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO,
na Cidade Universitária, Lisboa
CAPÍTULO I - OS INÍCIOS
NO EN
1- A
memória mais antiga do Jamor, que vale a pena mencionar, tem a ver com o
desporto escolar dos anos 50 do século XX, com os campeonatos de futebol de 11,
a nível dos liceus e escolas, incluindo o Colégio Militar e o Instituto dos
Pupilos do Exército, então marcadamente classistas, com o Colégio só para
filhos de oficiais e os Pupilos só para filhos de sargentos, isto durante o
fascismo. Dado o regime de internato que ambos tinham, apresentavam equipas
muito fortes em relação aos "amadores" das restantes escolas. Os
jogos eram em geral disputados no campo de treinos, pelado que no Inverno se
transformava rapidamente num enorme lodaçal. Só em casos muito especiais, como
por exemplo a disputa de finais, se ia para o relvado de treinos. Mas apesar
das condições desfavoráveis juntavam às vezes grandes assistências.
Joguei
sempre, assim que tive idade (15 ou 16 anos), pelo meu liceu, o D. João de
Castro. O responsável pela nossa equipa era o Professor de Educação Física, Serradas
Duarte, de quem todos gostávamos muito pelo seu humanismo e mais tarde viríamos
a saber que era efectivamente um homem de esquerda, tendo infelizmente falecido
muito novo, ainda no nosso tempo de estudantes. Lembro-me da minha estreia,
quando mandou avançar o puto, o benjamim da equipa de craques... Alguns dos
quais se viriam a distinguir, conseguindo a internacionalização, noutras
modalidades (andebol, atletismo, etc).
Mas o
grande acontecimento desses anos, para além do futebol, terá sido a realização de
uma grande competição internacional de corta-mato, o Cross das Nações, em meados
dos anos 50, que antecederia os Mundiais, nos terrenos anexos, onde mais tarde pensariam
fazer um hipódromo, o que felizmente nunca aconteceu e depois um campo de golfe
que felizmente também pouco durou e finalmente uma pista de corta-mato, onde
Carlos Lopes seria campeão mundial nos anos 80, num autêntico tapete de relva
embora acidentado como convinha para um traçado de corta-mato. Portugal tinha
então uma grande equipa, com aspirações ao pódio, cujo principal atleta era o
famoso Manuel Faria, que sucedera a Filipe Luís e José Araújo e se notabilizara
no estrangeiro com vitórias nas famosas S. Silvestres do Rio de Janeiro e de
São Paulo, onde derrotaria o famoso atleta soviético Vladimir Kuts, que foi um
dos mais célebres fundistas de sempre. Todavia, com uma enorme presença de
público a assistir, a desilusão foi muito grande, com os atletas portugueses muito
longe do que se podia esperar. Obviamente que assisti a essa primeira grande
competição de atletismo no nosso país.
Original da foto aqui
2- Muitos
anos mais tarde, no início dos anos 80, voltaria lá, para treinar, em geral de
manhã muito cedo, de Verão ou de Inverno, com quaisquer condições de tempo,
antes do trabalho, em companhia do meu sobrinho Jorge Branco, podendo dizer que
foi aí que começámos a ser corredores de fundo, ultrapassando definitivamente o
chamado jogging que havíamos iniciado no Estádio 1º de Maio, do INATEL.
Aí também
conheceríamos o Grupo de Manutenção do EN, dirigido pelo saudoso Professor Reis
Pires, que havia sido um jogador internacional de basquetebol, a quem nos
juntávamos episodicamente, embora aí o objectivo fosse a manutenção simples, ou
a outros grupos de atletas (relembro os Mokas) e com bastante regularidade, aos
fins-de-semana, ao grupo do grande atleta do Belenenses, Joaquim Branco, que
fora recordista nacional de quase todas as distâncias do fundo e meio-fundo, mas
nessa altura já veterano, e que muito nos aconselhou sobre a prática desta
modalidade de que em pouco tempo nos tornámos fãs.
CAP II - O ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO
1-
Utilizámo-lo em vários períodos do nosso treino, de madrugada ou ao fim da
tarde, o que no Inverno significava, de noite.
Relembrar
os episódios que nos ligam ao Estádio, desde os velhos tempos da pista de cinza
do estádio principal, que media 500 metros (quem teria sido a cabeça que
decidiu isso, ignorando que as pistas de atletismo são de 400 metros?), é
difícil, tantos eles são, alguns até trágico-cómicos, que um dia talvez conte
(sem mencionar nomes para ninguém se sentir melindrado). Havia também uma pista
de 400 metros, onde às vezes íamos fazer séries, mas fora do Estádio, só para
treino uma vez que não tinha lugar para o público. Julgo que ainda existirá.
Falar dos
atletas que então conhecemos será ainda mais difícil, alguns de quem a memória
já não retém os nomes. Ou do responsável durante muitos anos do balneário
principal, Sr. Oliveira (?), a quem, por iniciativa salvo erro do Eugénio
Ruivo, se fez uma homenagem que consistiu em 24 horas a correr na pista
principal, em que os atletas e participantes iam passando o testemunho para que
a cadeia nunca fosse quebrada. Muitos anos mais tarde, estando ele já
reformado, encontrei-o na Parede, no pequeno parque entre a estação de caminho-de-ferro
e a praia, perto da casa onde ia passar uns dias no Verão, em casa de família
ou amigos, aproveitando a praia e conversámos longamente sobre os tempos
passados.
Quanto ao
Eugénio Ruivo, presença habitual no Estádio, continua por aí bem activo, a
correr também, e nunca esquecendo os anos em que foi o responsável pela Corrida
da Festa do Avante, a que continua a não faltar. Eu é que já me limito só à
caminhada, entre a Atalaia e o Seixal e volta, e (ou) às fotografias.
Mas
desses tempos de treino no Universitário são inesquecíveis os dois Centros de
Treino da Maratona, organizados pelo Professor Mário Machado, fundador e
director da Revista Spiridon, e o nome mais conhecido e mais importante da
Corrida para Todos no nosso País, a que continua ligado, continuando a ser o
director técnico das corridas das pontes, 25 de Abril e Vasco da Gama em
Lisboa, grandes sucessos de desporto de massas, envolvendo muitos milhares de
participantes, cerca dos 40 mil e que continua a ser um corredor de grande
nível como o demonstra a sua recente participação no Camboja numa duríssima
competição em auto-suficiência.
Foto FB da Revista Spiridon
Participámos
nos dois Centros e fizemos as maratonas que se seguiram, a primeira no
Autódromo do Estoril, organizada pela Revista Spiridon. A segunda em Torres
Vedras, uma vez que a da Revista Spiridon seria cancelada à última hora por
impossibilidade de acordo com a direcção do Autódromo.
Até então
as maratonas tinham participação muito limitada, havendo o preconceito, até de
figuras responsáveis, de que exigiam um esforço prejudicial à saúde, e foi a
partir daí que começaram a ser incluídas nos projectos de muitos corredores de
pelotão, como nós.
Desses Centros
retemos as sessões de séries na velha pista de 500 metros, à noite, com a
pouquíssima iluminação que o Estádio tinha, porque não iam acender os
projectores principais para nós.
Das
sessões de V6, abreviatura da variante 6 do método do famoso professor e
treinador Van Aken, em pista, que apreciávamos pelas mudanças constantes de
andamento, sempre em crescendo, com resultados assinaláveis na nossa
resistência e andamento.
Também das
sessões de Fartlek, então novidade para muitos, que nos eram marcadas e que
tentávamos cumprir à risca, em geral no fim-de-semana e de que gostávamos
também muito, embora fossem "puxadas".
E dos
treinos em grupo, que se faziam também durante o fim-de-semana, em Sintra, no
Guincho, em Monsanto, na Aroeira, com acompanhamento dos coordenadores do
Centro (João Pires, José Martins e outros), incluindo obviamente o
responsável, o próprio Professor Mário Machado.
Anos
depois tornar-se-ia habitual para nós ligar os dois Estádio durante um único
treino, o do 1º de Maio com o Universitário, com partida e chegada ao primeiro,
em treinos mais ou menos longos. E também fizemos a ligação de longa distância
entre o EN e o EUL, com partida e chegada ao EN. Embora eu sonhasse com a
ligação entre os 3 Estádios, nunca se chegou a tentar, devido à distância e principalmente
ao desgaste provocado pelas duas duras travessias da Serra de Monsanto, o que
para mim era nessa altura ainda demasiado, e foi apenas do EN ao Universitário
e regresso, o treino que fizemos, tendo durado três horas e meia.
Das
personalidades dessa época não podemos deixar de relembrar o saudoso Rolim, atleta
extremamente resistente e de grande potencial para as grandes distâncias, que
poderia ter sido um maratonista de topo mas a quem a falta de métodos de treino
racionais prejudicou irremediavelmente. Anos mais tarde voltámo-lo a encontrar
no Estádio 1º de Maio, no seu Inatel, instituição de que era funcionário.
Treinava então nos terrenos anexos ao Ministério da Justiça e dali partia, às
vezes em treino, para o 1º de Maio.
Ou os
marchadores, com o campeão António Pinto em grande destaque que invariavelmente
nos ultrapassava, na pista, ele a marchar e nós a corrermos.
Também o
Carlos Lopes, o grande campeão, houve alturas em que era habitual cruzarmo-nos
com ele no relvado da Reitoria da Universidade, a que dávamos umas voltas.
E muitos
mais, alguns também bons Amigos que permanecem até hoje, embora já nos vejamos
pouco.
CAP III -
O ESTÁDIO 1º DE MAIO, DO INATEL
Mas foi
neste estádio que demos verdadeiramente as primeiras passadas. Numa altura em
que saber que entre os habituais daquele estádio estava o Sr. João, lendária
figura durante muitos anos daquele espaço que, embora praticamente sem entrar
em competições (fez apenas, e só às vezes, a Meia-Maratona da Nazaré), fazia
treinos diários de mais de uma hora de duração, era para nós motivo de espanto
e admiração.
A nossa
evolução, por iniciativa do meu sobrinho Jorge Branco, foi no entanto rápida
mas segura, com o início da nossa participação em competições, as primeiras das
quais foram nas primeiras edições das famosas corridas do Círculo de Leitores e
Corrida do Tejo, esta última no seu primitivo trajecto, que pessoalmente
continuo a preferir. É que a chegada em frente do edifício principal da Câmara
Municipal de Oeiras era carismática, com o seu sui-generis funil em serpentina.
Falar do
Estádio 1º de Maio traz um ror de recordações e a lembrança de muitos amigos e
companheiros de estrada e pista que por ali passaram, alguns infelizmente
inacreditavelmente já desaparecidos.
E não
posso deixar de citar entre alguns outros, o grande Armando de Sousa, magnífico
atleta e bom amigo; o Cruz da TAP, cujo desaparecimento nos chocou a todos; o
Dr. Jorge Coelho, apaixonado pela sua Académica, antigo membro duma república
coimbrã e também um bom amigo; o Hernâni, dos mais velhos, a quem a certa
altura chamávamos carinhosamente Dr. Niflux, porque se servia desse medicamento
como uma espécie de banha da cobra; o Anacleto Pinto, ex-atleta doutra galáxia,
grande campeão a nível internacional, chegando a ser o melhor júnior mundial,
maratonista nos Jogos Olímpicos de Moscovo por se recusar a participar no
boicote fascizante, e na opinião de muitos, um atleta com condições físicas
potenciais para ser o melhor atleta português de fundo de sempre e também um
bom amigo, sempre pronto a auxiliar-nos a nós modestos corredores de pelotão; e
o inesquecível Fernando Rocha, da ARS, sempre pronto a ajudar os amigos e a
quem nunca vi tomar uma atitude menos correcta com quem quer que fosse, e que
durante anos foi um atleta sempre presente no Estádio 1º de Maio. Infelizmente
deixou-nos muito cedo.
Dos
outros, mulheres e homens, uns que já deixaram de correr e outros que continuam
sempre e nunca desistem, gostaria de citá-los mas são muitos e continuo a
sentir uma grande amizade por quase todos. Como se trata de um Estádio criado
em princípio para usufruto dos trabalhadores, ali chegaram vindos
principalmente das grandes empresas da zona - EDP, CTT, Telefones, Metro,
Carris, IBM, TAP, etc, etc.
Mas
talvez valha a pena citar o velho Tom, um norte-americano que um dia aportou na
nossa cidade em trabalho e por aqui foi ficando com a companheira, e ali aparecia
diariamente para treinar na pista, com quem brincávamos dizendo que adorava
beber uns goles de whisky no final dos treinos. Quando o Jorge Branco cometeu
as suas proezas de longa distância, que foram contadas ao Tom este só comentou.
"Strong man!" Não sei nada dele. Um dia regressou ao seu país e nada
mais se soube. Creio que o último contacto teria sido com alguém que há muitos
anos foi fazer a maratona de Nova Iorque.
Mas para
nós pensar em Estádio 1º de Maio, significa também pensar nas deambulações à
sua volta, tantas e tão diversas que será impossível citar todas embora para
nós as idas ao Universitário através do Campo Grande, as idas à Quinta das
Conchas pela estrada do Lumiar, as idas ao Parque da Bela Vista ou à Rotunda do
Aeroporto, talvez sejam as mais memoráveis.
E não
resisto em citar outro grande amigo que há dias mo relembrava por e-mail:
"Egas,
era nos tempos em que fazíamos um percurso de treino inventado por ti, e que eu
chamei por piada a Pan-americana... Inatel, Estádio Universitário, bosque da
Rotunda hoje Gomes Ferreira, parque da Bela Vista, Av.Eua, Inatel. Duas
horas e picos..." (José Dionísio, 8-Dez-2017)
Mas a que
podia ter sido a nossa coroa de glória, era o meu sonho da ligação entre os 3
estádios, com partida do EN, travessia de Monsanto, passagem pelo EUL
(universitário), passagem pelo 1º de Maio, e regresso ao EN, com o indispensável apoio e participação do Jorge.
Infelizmente
não consegui realizá-lo nessa altura. Projectámos e realizámos apenas a ligação
de ida e volta entre o EN e o EUL. Foram três horas e meia de duração que
acabaram dramaticamente porque eram para ser feitas sempre a correr e no
Dafundo este modesto atleta teve que parar e seguir a pé até quase ao EN, só
voltando a correr no final. O Jorge, obviamente, fê-lo sem problemas de maior.
Eu, dei o grande estoiro como se dizia na gíria... Tenho muita pena que não
tivéssemos feito outra vez, porque era um percurso muito bonito e
particularmente duro devido à travessia da Serra de Monsanto. Mas entretanto
chegaram as competições de Montanha, a que hoje chamam Trail, e o nosso
projecto ficou esquecido...
(para
continuar)