domingo, 5 de abril de 2015

MEMÓRIAS – OS MEUS PRIMEIROS 30 KM E OS MEUS PRIMEIROS 42,195 KM


Quando no já longínquo mês de Agosto de 1983 resolvi efectuar, aqui em Muge, um treino de 30 km não sonhava com a Maratona!
Na altura vivia em Lisboa e vinha aqui, esporadicamente, aos fins-de-semana onde gostava, particularmente, de treinar.
Com 23 anos de idade e pouco mais de dois anos e meio de corrida nas pernas embora a maratona não fosse coisa nem imaginada já era um corredor que amava as distâncias longas, os treinos de duas horas já faziam parte da minha realidade e resolvi desafiar os meus limites num treino de 30 km.
Correndo entre Muge, a Glória do Ribatejo e Marinhais, com retorno na Igreja nova daquela vila ribatejana, faria 30 km medidos com o carro do meu tio. GPS era coisa inexistente, e como abastecimento o Egas foi-me dando XL1, um isotónico muito popular na época (e penso que único).

Este cartoon (feito pelo Egas), ilustra, de forma muito livre e criativa, os meus primeiros 30 km.
Acontece que pouco tempo depois daquele treino, mítico, de 30 km vimos na Revista Spiridon número 29 um anúncio do Centro de Treino de Maratona e o distanciamento que tínhamos em relação aos 42,195 km mudou radicalmente!
Inscrevemo-nos prontamente no referido centro de treino e depois de uma preparação criteriosa de cerca de 14 semanas apresentámo-nos à partida na  2ªedição da Maratona Spiridon, no Autódromo do Estoril em 18 de Dezembro de 1983.
Pode parecer algo estranho a realização da Maratona num autódromo mas a razão era bem simples: na altura era impossível conseguir realizar uma maratona na via pública com o trânsito cortado durante o tempo da realização da mesma. Por isso o Autódromo do Estoril apresentava-se como um lugar seguro, sem trânsito, para se organizar uma maratona.
Temos de confessar que dessas sete voltas que demos ao Autódromo do Estoril pouco nos ficou na lembrança!
Mas temos bem visível na memória a longa recta final da maratona (que nem seria assim tão longa mas para mim teve quilómetros!).
Nessa derradeira recta fomos acompanhados por um amigo que se viu impedido de alinhar na prova por lesão. Ainda hoje nos lembramos de lhe perguntar onde era a meta, se faltava muito! Na altura não havia as metas com pórticos insuflados e, muitas vezes, elas eram apenas um pano estendido entre dois mastros de madeira quando não tão somente um risco amarelo pintado no chão!
No nosso cansaço extremo de um final de maratona não vislumbrávamos a meta e a recta mais parecia uma recta de um inferno interminável! Julgamos que das nossas quatro modestas maratonas esta, além da mais lenta, foi a mais difícil de concluir.
Cruzámos a meta daquela maratona com o tempo de 3:29:16 e o Egas com 3:49:20, tempos mais que modestos mas que na realidade actual pensamos que teriam outro significado.
Tenho de confessar que essa maratona foi acabada mais com um sentimento de alivio do que de festa por me ter tornado maratonista! Foi mais do género: desta já me safei!
Só uns bons minutos depois, já na 4L / balneário do Egas, me dei conta que era maratonista e da felicidade que tal significava!
Mas isto foi depois de ao mudar de roupa, sentado no carro, ter tido uma tremenda cãibra que me obrigou a abrir a porta e esticar a perna esquerda para fora da viatura em trajes menores!
Treinei para esta maratona sem dizer nada à família e aos amigos, apenas sabiam destes treinos o Egas que comigo treinou e os colegas do Centro de Treino da Maratona. Ao chegar a casa vindo da prova o meu, saudoso, Avô perguntou qual a distância que tinha tido a corrida daquele dia ao que eu respondi, disfarçando um orgulho enorme e aparentando indiferença: 42,195 km ao que o meu avô respondeu: Mas isso é a Maratona! Ao que eu disse: Pois é! Ao que ele retorquiu: És doido!
O meu saudoso avô, que nunca foi maratonista, nem corredor, sabia qual a distância da maratona! Não era como muito boa gente da actualidade para quem toda a corrida é uma maratona tenha ela a distância de 5 ou 100 Km!
E foi assim que me tornei maratonista e já me disseram que é um título vitalício!

16 comentários:

  1. Isto é uma pérola de recordação!
    Estava a ler o texto e a imaginar o que é dar 7 voltas ao autódromo... não deve ser muito motivante! :)

    Venham mais destas histórias!

    Abraço

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    1. Sim essas sete voltas poderiam não ser muito motivantes mas era bem melhor que correr a maratona com o transito aberto e carros a passar como me chegou a acontecer. Na época era normal fazerem-se provas com o transito aberto.
      Depois a motivação também passava por um grande concentração interior em que pouco ou nada interessava o ambiente envolvente. Estávamos apenas focados na nossa prestação e mais nada! Era outra maneira de se correr e outra época!
      Abraço.

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  2. Eh pá... oh Jorge... já fiquei assim como podes imaginar. Se qualquer tema ligado a Maratona mexe muito comigo, um tema histórico e pessoal como este, nesta semana, ainda me deixou mais inspirado e motivado (se é que é possível ficar ainda mais motivado do que já estou!).

    Um grande abraço e continua a deliciar-nos com estas histórias

    ps - 7 voltas a um circuito deve ser chato mas sendo no Autódromo do Estoril, para mim seria uma dádiva :)

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    1. Ainda bem que o texto te deixou mais inspirado e motivado!
      O "problema" das 7 voltas já expliquei ao Luís Estêvão: tenho para mim que a motivação era tanta que quase tinha dado para ter feito a maratona numa pista de 400 metros! E depois para quem fazia provas com o transito aberto aquele sossego era o paraíso!
      E 7 voltas não era assim tanta coisa, também motivava ir contando as mesmas e fazendo "jogos" do género , 4 voltas para "aquecer" e na quinta já passei a metade da prova!...
      Grande abraço..

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  3. é pá...isto sim, adoro estas histórias do "antigamente" (não sei se alguma vez já disse isto??? :):):) )....tenho a certeza que correr uma Maratona neste tempo era incomparavelmente mais difícil do que hoje, e não só pela falta de condições que existia.... nesse tempo, e ao contrário de hoje, a Maratona era vista como um "papão" e poucos se atreviam (tb existia menos oferta, mas mesmo que a oferta fosse grande, estou convencido que não havia muitos a atravessar-se) - e digo isto com convicção, pois o clube de que faço parte tem como base uma equipa de veteranos, muitos deles excelentes atletas que corriam nesta altura e que até hoje nunca correram uma Maratona, nem pensam em fazê-lo por temerem a distância...aliás, ainda nos dias de hoje, em que a Maratona já é vista com outros olhos (embora tenha a dizer, que muitas vezes de forma demasiado leviana também) eles acham que eu sou doido em fazer 2 de estrada por ano.
    Grandes campeões!!!
    Abraço para ti Jorge e outro para o Egas

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    1. Penso que a maratona hoje está muito mais "democrática", mais acessível a todos. O pessoal vai lá pela festa fazendo 4, ou 5 horas ou mesmo mais tempo.Naquela época quem se metia a fazer a maratona já o fazia mais a "serio" já eram atletas com melhores performances (quero dizer havia alguns coxos como eu lá pelo meio como eu...). Basta ver as marcas que se faziam naquela época e se fazem hoje.
      Gosto muito que a maratona se tenha tornado uma prova mais popular e que se tenha perdido a vergonha de a fazer em mais de 4 horas!
      E não nos podemos esquecer que há duas maneiras, completamente diferentes de fazer os 42,195 km: prego a fundo a dar o nosso melhor e apenas para acabar e sem pressa nenhuma.
      A primeira versão é muito complicada de fazer a segunda é muito mais acessível a todos.
      Um abraço.

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  4. Espetacular :) Oh Jorge e sabias que em Almeirim se realizaram algumas maratonas e inclusivamente algumas das provas de estrada como hoje as conhecemos? VOu procurar um cartaz muito engraçado que vi para te mostrar.

    PS - e quem te disse tem toda a razão, uma vez maratonista para sempre maratonista!

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    1. Sabia, sim senhor que em Almeirim se realizaram várias maratonas . As últimas 4 edições da Maratona Spiridon foram na tua terra! Podes ver aqui http://pt-pt.facebook.com/pages/Revista-SPIRIDON/282249609256
      Estive a colaborar na organização de duas delas se a memória não me falha (mas numa tenho a certeza de ter estado pois até tenho fotos!).
      Também tenho a impressão de ter havido uma Maratona Nacional da FPA em Almeirim e de ter lá estado a apoiar um amigo de bicicleta.
      Um abraço.

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  5. Excelente história! Pessoalmente, como já fiz provas de pista (10.000 metros), não me choca andar ali às voltas. E nem é um número exagerado de voltas, até não me importava que repetissem algo assim atualmente.

    Concordo a 100% com a tua última afirmação, para maioria da população correr 5km é correr uma maratona :)

    Abraço

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    1. Pois o pessoal que correu em pista está habituado a coisas mais monótonas.
      No fundo é a cabeça que manda!
      Por acaso também acho que seria engraçado voltar a haver uma prova de maratona em circuito fechado!
      Um abraço

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  6. Texto fantástico Jorge, principalmente nesta semana :)

    Abraço

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    1. O Zeca Afonso cantava: Grândola vila morena em cada esquina um amigo...
      No teu caso está semana é mais em cada esquina 42,195 km!
      "Vês" maratonas de manhã à noite mas tem calma que no domingo isso passa-te (pelo menos até à próxima)!
      hi hi hi hi hi hi
      Abraço.

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  7. Que Rica Historia amigo Jorge !Eu adoro ler coisas destas , a maratona é das poucas coisas que me prende a atenção e me desvia do tudo o resto.Imagino aquelas voltas ao circuito e a alegria de ter terminado a sua primeira maratona em 1983 tinha eu 15 anos .
    Tal como diz o Carlos Cardoso ainda hoje atletas dessa geração não arriscam essa mítica distancia , também aqui tenho amigos que correm á 40 anos ( um deles tem 39 meias na Nazaré) e nunca correu uma maratona.Parabéns e ficamos á espera de mais Historias.Abraço

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  8. Muito bem! Eu acho que estas historias são deliciosas...
    Continue, beijinhos

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