domingo, 26 de abril de 2015

HOMENAGEM

Uma das frases chave do Movimento Spiridon diz: a corrida é a principal das coisas secundárias.
O texto que se segue, da autoria de Egas Branco, aparentemente nada tem a ver com a corrida. Mas grande parte do que somos hoje deve-se à formação e educação a que fomos submetidos desde a mais tenra idade. Muito provavelmente o Egas não seria o que é hoje se os caminhos percorridos na infância não fossem aqueles e muito provavelmente este blogue, que é um projecto e um trabalho a dois, pese embora apoiado e com a colaboração de muitos, não existiria ou pelo menos não o conheceríamos da forma que é.
Este blogue muito direccionado para o colectivo não deixa de fazer uns desvios para sentires de alma mais pessoais e o texto que se segue é um desses, belos, desvios.
 .
HOMENAGEM (Por Egas Branco)

No início deste 42º Ano desde o 25 de Abril e da vitória sobre  fascismo, peço desculpa aos amigos se publico algo de muito pessoal, a que aliás sou em geral avesso.
.
Mas em Abril-Maio, sem querermos,  chega-nos algum sentimentalismo, que também tem a ver com idade, que no entanto nunca nos impedirá  de olhar para o Futuro - dos Amigos, do nosso País e do Mundo. E podem crer que cada vez que, nalguma parte deste nosso Mundo, por mais remota que seja,  homens tomam o futuro nas mãos derrotando a exploração e a opressão, sinto uma enorme alegria.
.
Devo a estes dois seres (Mãe - 15-Mai-1907  - 27-Mai-1986, Pai - 9-Nov-1911 -24-Jun-1987), exemplos que nunca esqueci e que me ajudaram:
.
Ela, por se ter recusado a assinar uma declaração de fidelidade às ideologias fascista e católica, a que obrigavam os professores primários de então, foi desterrada para a mais recôndita das aldeias beirãs, onde ainda hoje (de novo hoje, com o regresso dessas ideologias a muitos aspectos  da vida no nosso País) é difícil chegar.
.
No casamento, desobedeceram a todos os preconceitos vigentes, e partiram em lua-de-mel para quase 50 anos de vida em comum e deixaram, ambos, representantes na cerimónia oficial!
.
O primeiro dos quatro filhos, apesar de todas as pressões oficiais e da família, não foi baptizado, num acto de Liberdade de que lhes sou para sempre grato. Poderia vir a faze-lo mais tarde, se quisesse, mas com plena responsabilidade do meu acto. E devo lembrar que quando fui para a escola eles me recomendaram que não dissesse que o não era porque senão viria a sofrer por isso (isto para os saudosistas desse tempo de exploração, miséria e perseguição, que pretendem esconder o que realmente se passava nesses tempos lugubres e terríveis) e nunca entendi essa omissão ou negação como uma mentira, mas como uma defesa contra a repressão.
.
Ela era profundamente cristã, católica, ele ateu. Foram-no sempre até ao fim da vida e isso não impediu que fossem acima de tudo humanistas, anti-fascistas e sempre do lado dos humilhados e ofendidos desta sociedade em que vivemos, embora há 41 anos justamente e durante algum tempo chegássemos a pensar (e eles também) que iria ser possível, através de mudanças muito concretas (em que as principais foram feitas!), construir uma sociedade diferente, mais igual, mais livre, mais fraterna, a caminho de um ideal de justiça, a que alguns dos amigos podem não chamar nada mas que eu chamo Socialismo.
.
Devo-lhes estes e outros exemplos a que tenho tentado ser fiel. Errei algumas vezes, como muita gente, principalmente por ter avaliado mal os humanos mais que as causas, mas nunca reneguei os princípios.
.
Foi uma meditação simples sobre as origens. Desculpem-me por isso. De vez em quando acontecem estas fraquezas.
Egas Branco



5 comentários:

  1. Os valores que nos dão na infância, são os que ficam para a vida toda...
    beijinho

    ResponderEliminar
  2. Bonito e sentido texto, amigo Egas. Só não posso concordar com o termo fraqueza pois a partilha destes momentos que vêem bem de dentro, entendo-os como fortaleza e não fraqueza :)

    Um abraço

    ResponderEliminar
  3. Homenagem sublime, escrita com a alma....emocionante. Grande Abraço Egas

    ResponderEliminar
  4. Bonita homenagem...curiosamente também perdi a minha em Maio de 1986 .Com respeito por tão forte personalidade que de fraqueza nada mostra.Um abraço cá do norte de um católico liberal ...pois só assim se pode ser livre ..respeitar todos independentemente do seu credo ou ideologia.

    ResponderEliminar
  5. Caríssimos/as,

    Obrigado pelos comentários que me deixam ficar quase sem palavras. Duas das coisas que mais prezo são a amizade e a fraternidade sinceras. Como dizia o nosso saudoso José Afonso: nos meus Amigos/as "só não há lugar para os filhos da mãe".
    Embora não conheça pessoalmente alguns de vocês, a não ser de ouvir falar (e bem!) daqui vai um grande e fraterno abraço a todos/as. E votos de muitas Corridas!

    ResponderEliminar