sábado, 21 de agosto de 2010

LIBERDADE!


Corre-se, corre-se a quase hora e meia. Um caminho estreito, descida suave, ladeado por duas cercas.
A ”máquina” vai a três quartos do limite, tudo vai a três quartos: o “óleo”, “pressão dos pneus”, “agua”, “temperatura do motor”.
A paisagem circundante deixou de fazer parte do nosso foco de interesse.
Vamos controlando rigorosamente “o painel de instrumentos” e fazendo contas:
Final da descida e primeiro pequeno troço, até passarmos o cruzamento da ponte, depois correr junto ao longo pivô da rega, em seguida apontar à casa das bombas, que lá ao longe vai ficando cada vez mais perto, passada esta os 5 postes de electricidade separam-nos da rampa que nos leva à ponte (quantas e quantas vezes contámos estes postes, que “aumentam” e “diminuem” a distancia entre eles conforme as circunstâncias!) e estamos mesmo a chegar ao que resta do “portão da casa”, então uma descida maravilhosa vai levar-nos à ponte romana, passaremos por baixo da EN 118, cumprimentaremos os grandes plátanos, passaremos ao lado do quintal do Sebastião e num derradeiro esforço “atacaremos” as travessas que nos trazem à porta de casa. Provavelmente ainda correremos mais 2 ou 3 minutos na direcção do cemitério, porque nisto de treino longo é sempre mais rápida a segunda metade.
Então desligaremos as duas máquinas, o GPS e a nossa (!), daremos uma espreitadela à nossa rua e se ela estiver deserta festejaremos, exuberantemente, o regresso do treino de 2 horinhas!
Depois é trotar até casa, abrir a porta e ouvir a nossa companheira falando lá do vale de lençóis: Já chegaste? És maluco!
Íamos então nós divididos entre o “controle do motor” e essa maravilhosa capacidade dos fundistas de subdividir treinos, reduzindo tudo a pequenos troços, “enganando” as pernas, quando dois cavalos nos trazem de volta à terra!
Ao nosso lado, do outro lado da cerca, correm livres, puros, dois magníficos cavalos.
Então por momentos, mágicos, que pareceram uma eternidade, corremos lado a lado com aqueles magníficos animais.
Esquecemos o cansaço, os “vários indicadores do motor”, os troços que nos faltavam correr até chegarmos a casa, esquecemos tudo livres e felizes.
Então, naqueles momentos mágicos, somos o mais livre e feliz dos homens à face da terra.
Ah! Como é bom correr e quanto é difícil explicar isso!
O original da foto que ilustra este texto
encontra-se publicado aqui.

4 comentários:

  1. que belo texto, jorge! e a descrição rica em detalhes nos transporta pra esse campo, e nos faz ouvir o galope dos cavalos no outro lado da cerca;)

    e o final diz tudo: "como é bom correr e quanto é difícil explicar isso!"
    e como outros facilmente nos chamam de loucos por não sabermos explicar!

    não há o que explicar, há que sentir!
    sentir essa força que surge do nada, e encurta a distância entre os postes;)
    sentir o prazer que nos faz querer correr mais e mais...

    parabéns pelo belíssimo treino!

    bjs
    elis

    http://elismc.blogspot.com

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  2. Porque será que me reconheço nessa história? Fácil não é? Quando a Corrida ganhou em nós esse poder, de nos fazer sentir assim... é fácil, muito fácil compreender.

    Mas não somos todos iguais, e ainda bem que assim é. E para quem assim não sente a Corrida, não é difícil explicar e ser entendido... é antes... simplesmente impossível

    Um beijinho Jorge e que sorte heim? Correr assim ao lado desses magníficos seres; só me aconteceu nas Lezírias, há uns anos, na Corrida mesmo.

    Ana Pereira

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  3. Grande Jorge. Parabéns pelo belíssimo texto com que nos brindou. Curioso como toda aquela atenção aos "indicadores do painel de controlo" passam para 2ºplano face ao apelo da liberdade personalizada na corrida dos cavalos. Sempre a aprender, Jorge. E a saborear. Haja quem tenha o dom de descrever estes momentos, como é o seu caso.
    Grande abraço.
    FA

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  4. é que nem vale a pena tentar explicar, mesmo àqueles que nos são mais próximos. O sentir não se explica.
    Um grande abraço.

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