domingo, 13 de junho de 2010

UMA EXPERIÊNCIA SIMPLES

Agradecemos a gentileza de José Amoreira, do excelente blogue o Cântaro Zango, em ter autorizado a publicação deste pertinente texto cujo original pode ser lido no referido blogue.

UMA EXPERIÊNCIA SIMPLES
.

Encha um copo com água (pode ser da torneira) e adicione gelo; meça a temperatura da mistura. Em seguida, coloque uma ou duas colheres de sopa cheias de sal no copo e agite durante alguns minutos; volte a medir a temperatura.

.
Acabei agora de fazer esta experiência, que documento com a figura em cima. Antes de misturar o sal, a temperatura da mistura água-gelo era -2,2°C (fotografia da esquerda); depois de misturar o sal (passados quatro minutos, como se vê), a temperatura desceu para -11,8°C. Suspeito que se repetisse a experiência com neve (em vez de gelo), o arrefecimento seria mais pronunciado.

.
Porque é que isto acontece? Porque o sal dissolvido na água faz baixar a temperatura de solidificação da água. É exactamente por isso que é usado (nomeadamente na serra da Estrela) para evitar a acumulação de neve nas estradas. Ao baixar a temperatura de congelação, o gelo derrete e ao fazê-lo absorve do ambiente a energia (calor) de que necessita para a transição de fase, o chamado calor latente de fusão. É assim um processo semelhante (mas envolvendo outra transição de fase) ao do arrefecimento cutâneo por evaporação da transpiração.

.
E porque falo nisto? Porque, como já aqui referi várias vezes nos últimos meses, alguns responsáveis do ICNB (os suficientes para determinarem as opções dos serviços nesta matéria) consideram que a escalada e o montanhismo no Cântaro Magro devem ser proibidos, e por isso indeferem todos os pedidos para a realização dessas actividades nesse pico. As razões apresentadas prendem-se com a classificação atribuída à zona do Cântaro Magro (e, de facto, a todas as zonas onde tradicionalmente se pratica escalada e montanhismo na serra da Estrela), de acordo com a qual, nos termos do plano de ordenamento da área protegida, apenas as actividades de visitação, pastorícia e investigação científica podem ser autorizadas, desde que compatíveis com a conservação dos valores ambientais presentes. Uma vez que a escalada e o montanhismo podem ser classificados como actividades de visitação, importa saber que valores ambientais vêm a sua conservação posta posta em causa por estas práticas. De acordo com o que me foi dito por alguém que participou em reuniões com o ICNB, no caso do Cântaro Magro, esses valores são geológicos e são postos em causa pela erosão que a escalada e o montanhismo acarretam. (Quão grave será essa erosão? Quem é que a terá avaliado? Que estudos estão disponíveis sobre esse assunto? Mistério...) Mas acontece que a poucos metros de distância de diversas vias de escalada na zona do Cântaro Magro, encontramos a estrada nacional EN339, onde todos os Invernos são despejadas várias toneladas de sal-gema, que escorrem para as mesmíssimas áreas que o ICNB quer proteger da erosão impedindo a prática da escalada e do montanhismo.

.
Bem, eu já ouvi dizer que o sal não faz nada bem à fertilidade dos solos, que não é nada bom para as plantas, e até já li (b.n. CISE nº 28 Outono 2009, pág. 14) que a sua utilização é um factor de ameaça para a conservação de alguns habitats de água doce da serra da Estrela. Mas não sei. Sei sim (porque o verifiquei agora mesmo) é que a dissolução de sal em água misturada com gelo faz baixar localmente a temperatura. Porque o sei, pergunto-me: não haverá também perigo de erosão associado a um eventual súbito arrefecimento superficial das rochas situadas nas linhas de escorrência sob a estrada, resultante da dissolução do sal usado pelo Centro de Limpeza de Neve? (Recordo que são gradientes de temperatura os responsáveis pela fractura de vidros normais em fornos de cozinha.) Não parece esta situação ter um impacto potencial, naquele mesmo local, muito mais grave do que o da erosão eventualmente causada pela borracha das sapatilhas de escalada? Não seria melhor estudar esta questão? E, já agora, não seria melhor estudar também o impacto real da escalada e do montanhismo?

.
A escalada e o montanhismo são proibidos pelo ICNB, sem que se conheçam estudos que o justifiquem. Outras actividades, aparentemente muito mais impactantes (raids tt, voltinhas de carro, piqueniques de beira de estrada, esqui, sku, caça, pesca, encontros de motoqueiros, snow-fashions, etc, etc, etc), algumas das quais com impactos nos mesmos locais que alegadamente se querem proteger com a proibição da escalada e do montanhismo, são permitidas! Pior, todas estas actividades são não só permitidas, elas são mesmo encorajadas, dados todos os investimentos públicos nos centros comerciais na Torre, na beneficiação das estradas existentes, na pavimentação de caminhos, no aumento da capacidade de estacionamento, etc.

Somos mesmo originais. Haverá na Europa outra área protegida de montanha como esta?

.*Nota Último Quilometro*
ICNB Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade

3 comentários:

  1. Amigo Jorge,
    muito interessante este tema.
    É sabido que o ICNB é um organismo que entende que a melhor maneira de "conservar" é proibir seja o que fôr. Aqui, no Parque Natural Sintra-Cascais, sei do que tem acontecido. Na dúvida, proíbe-se.
    Mas neste caso, em que se receia que as sapatilhas possam causar graves danos à geologia, à flora, ou à fauna (sim, porque há sempre o risco de se pisar uma ervinha endémica ou uma lagartixa com 3 pintinhas nas patas, que só ali existem) axcho que haverá "mãozinha" a que não serão alheios as divergências entre a FPA e a FPME.
    Digo eu... e até posso estar a ser "má língua".

    Grande abraço.
    FA

    ResponderEliminar
  2. Caros Amigos,
    O que está em causa, mais uma vez, é a ignorância, a falta de qualidade, o "faz de conta" para justificar as verbas consumidas por institutos ou coisas semelhantes.
    Não estão em causa os "malefícios" causados pelos sapatos ou outro qualquer material, estão sim as bases em que tais afirmações (probições) assentam. Pela minha parte, gostaria de ver os técnicos habilitados a acompanhar as escaladas, corridas e caminhadas, fazer estudos científcos, comparações com outras agressões, etc. e, depois, sim, aconselharem a melhor maneira de lidarmos com os ambientes em causa.

    Esperemos... para ver!


    Belo

    ResponderEliminar
  3. Muito obrigado pelo destaque dado ao meu post e ao meu blog.

    Apesar de achar que "estamos todos no mesmo barco", gostaria de dizer que eu concordaria com uma proibição da escalada em certas vias, em certas alturas do ano, se essa proibição fosse justificada com o "perigo de pisar uma ervinha endémica ou uma lagartixa com três pintinhas na pata", ou seja, agora mais a sério (e apesar de ter usado desta forma as suas palavras, suspeito que o Fernando Andrade concorda comigo), se fossem invocados impactos reais, concretos e verificáveis. Mas as razões invocadas pelo ICNB nos casos de que tenho informações (encontro de escalada os entalados [Setembro de 2009] e ASEstrela'2010, ainda não conheço as razões para o indeferimento do percurso da corrida dos três cântaros) têm sido puramente administrativas: essa área é classificada como Área de Protecção Parcial do Tipo 1, e de acordo com o Plano de Ordenamento só são permitidas as actividades de Pastorícia, Visitação e Investigação Científica. Isto é que eu não compreendo, porque a escalada é visitação!

    Nos restantes países da Europa, é na generalidade permitida a escalada e o montanhismo nas áreas protegidas de montanha, nalguns casos com condicionamentos temporais ou espaciais bem definidos justificados com argumentos concretos, como: "nestas três vias não se pode escalar nesta altura do ano porque é a época de nidificação da espécie X, e um casal desta espécie tem o ninho naquele sítio e a presença de escaladores nas vizinhanças perturba a choca (é assim que se diz?) dos ovos ou a educação das crias". Agora, isto que temos na Serra da Estrela (e, pelos vistos, noutras serras também)? É ridículo!

    Saudações!
    E que haja ainda muitos quilómetros antes do último!

    ResponderEliminar