segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

AS MINHAS MARATONAS


Corri as minhas modestas quatro maratonas na já longínqua década de 80 do século passado.

A primeira vez que corri a mágica distância dos 42,195 km foi em 18 de Dezembro de 1983, com 23 anos de idade e cerca de três anos de prática de corrida. Tratou-se da segunda edição da Maratona Spiridon
A prova decorreu no Autódromo do Estoril e se, à luz dos tempos actuais, pode parecer muito estranho uma maratona às voltas dentro de um autódromo, com tudo o que isso implica de solidão e monotonia, na altura fazia todo o sentido. Eram tempos em que se tornava praticamente impossível organizar uma prova com a circulação automóvel fechada e ainda para mais uma maratona, com todo o tempo que isso implica, logo o autódromo foi a solução ideal para uma maratona em segurança, sem automóveis.
Terminei essa maratona com a marca de 3 horas 29 minutos e 16 segundos, o que fez com que tenha completado todas a minhas maratonas abaixo dos cinco minutos ao quilómetro.
Tenho algumas memórias, não muitas, dessa estreia nos 42,195 km.
A memória mais marcante foi mesmo o meu final de prova. A prova terminava em plena recta da meta do Autódromo do Estoril. Convém aqui explicar que naquele tempo as metas estavam muito longe de ter a “exuberância” dos tempos actuais, eram metas “tímidas”, sem pórtico insuflável, sem som etc. Muitas vezes limitavam-se a um simples risco no chão com a palavra meta escrita. Logo, as metas tornavam-se muito menos visíveis.
Em plena recta da meta, na companhia de um amigo que por lesão falhou a maratona mas fez questão de me acompanhar nos últimos metros, eu só lhe perguntava em que zona da recta ficava a meta.
Vinha completamente “roto”, a recta da meta parecia-me de uma vastidão imensa e nem a meta conseguia vislumbrar!
Acabei a minha primeira maratona sem levantar os braços, sem festejar. Lembro-me que o sentimento foi de alivio e praticamente nem sequer senti que tinha terminado a minha primeira maratona!
Mal acabei a maratona, “arrastei-me” para o carro do meu tio Egas Branco, um saudoso 4L, e foi nele que, enquanto me vestia, tive uma valente cãibra, tendo de abrir rapidamente a porta e esticar a perna! Foi também dentro do carro que comecei a “perceber” que tinha acabado de correr uma maratona e a sentir um grande alegria pelo facto!
Mais duas curiosidades: O meu tio Egas Branco também se estreou na maratona nessa prova e corria um pouco mais atrás de mim; sendo amigo do pessoal da organização, eu a cada volta que concluía perguntava como estava o meu tio e mandava-lhe mensagens motivadoras de viva voz e através de quem estava em funções de controlo da prova!   
Não disse a ninguém da família que iria correr a maratona. Quando cheguei a casa, o meu saudoso avô perguntou-me que distancia é que tinha a prova que eu tinha corrido, ao que eu respondi 42,195 km, tendo ele imediatamente ripostado: mas isso é a maratona! É sim, disse eu, ao que ele respondeu: és doido! E eu prontamente retorqui: sou sim senhor!
Nota: de salientar que participei num centro de treino para a maratona, organizado pela Revista Spiridon, com vista precisamente a essa maratona.
Sem essa minha participação no centro de treino muito dificilmente acabaria a maratona ou nem sei mesmo se me abalançava a tal desafio.

A minha segunda maratona foi a Quinta Maratona Cidade de Torres Vedras, corrida em 9 de Dezembro de 1984.
Muito pouco me lembro desta prova, tenho de confessar. Mas ficaram algumas imagens.
No começo da prova, lembro-me nitidamente de o Professor Mário Machado, que assistia à prova, gritar para um atleta: vai aí com os Brancos, que eles são certinhos! (os Brancos éramos o meu tio e eu...).
A Maratona terminava com um valente rampa, uma mesmo “tramada” para um final de maratona! Em conversa telefónica na véspera o Professor Mário Machado alertara-me para o facto e disse-me mesmo: dificilmente vais conseguir acabar a correr!
Fiquei a pensar nestas palavras, e, como até gostava de subir e fazia-o bem, em vez de pensar nesse final “assassino” da maratona vi-o como desafio: tenho de acabar a correr!
O certo é que “engrenei” pela rampa acima de tal maneira que um espectador gritou: O VELHO VAI CHEIO DE FORÇA! Pois esse “velho” tinha 24 anos e quando desligou o cronómetro ao cortar a meta verificou com espanto que tinha percorrido os 42,195 km em três horas, dezanove minutos e dez segundos, pulverizando a marca anterior!
Nessa maratona já acabei a festejar e a sentir toda a felicidade de correr uma maratona.
Também guardo a felicidade de ter sido proporcionado aos atletas um banho quente, o que me soube pela vida.


Na minha terceira participação na Maratona, apontaria para a Foz do Arelho, rumo à Maratona Nacional do INATEL, em 21 de Março de 1985.
Para esta prova, o Professor Mário Machado teve a enorme gentileza de se encontrar comigo nos Pasteis de Belém num final de tarde / noite de um dia de muita chuva. Eu levei o esquema dos treinos que fazia e ele traçou-me um plano para a maratona numas folhas de papel e definiu o objectivo com três horas e dez minutos para completar os 42,195 km.
Fiquei absolutamente espantado com o objectivo das três horas e dez mas se havia, e há, pessoa em quem eu confio para planificar o treino é o Professor Mário Machado.
Lá me atirei ao treino com esse objectivo das 3 horas e 10 com confiança e aquela certeza que em caso de qualquer problema era só telefonar ao Mário (uma grande amizade a caminho dos 30 anos permite-me este tratamento informal).
Dessa maratona tenha muitas recordações mas todas elas apontam no sentido da maratona perfeita em que fui cheio de pujança e determinação.
Do abastecimento, (em copos com se fazia na altura), ao “vídeo” feito no velhinho formato de Súper 8 pelo meu tio, ao “arranque” no abastecimento dos 30 km em que atirei o copo ao chão e deixei “pregados” ao alcatrão os corredores que comigo iam, são tudo lembranças lindas.
Também apanhei um valente susto ao encontrar uma bifurcação dentro das Caldas da Rainha, e já no retorno para a Foz do Arelho, onde não se encontrava nenhum policia, nenhum elemento da organização, nenhuma sinalização no chão que indicasse o caminho a seguir! Foi por puro palpite que acertei no caminho mas poderia ter acabo ali os meus meses de treino árduo e a excelente prova que estava a fazer.
Cortei a meta feliz e vibrante e mais feliz fiquei ainda ao ler o que o meu cronómetro dizia: três horas, dez minutos e vinte e sete segundos.
Tinha “falhado” o objectivo traçado pelo Mário em 27 segundos, ou seja, ele acertara em cheio ao apontar para as 3:10 e eu era um maratonista imensamente feliz ali na bela Foz do Arelho!

A minha quarta Maratona foi a terceira edição da Maratona Spiridon em Sintra, nomeadamente na Granja do Marquês em 12 de Dezembro de 1985, e nela faria o tempo de três horas, quinze minutos e dezasseis segundos. Novamente integrado no Centro de Treino Para A Maratona (o segundo e último organizado pela Revista Spiridon) encontrava-me em excelente forma e o objectivo que me era apontado seria quebrar a mítica barreira das 3 horas. Foi portando uma maratona em que falhei redondamente AS MINHAS MARATONASo objectivo!
Ainda hoje não entendo bem o que me aconteceu! Não tive nenhuma grande quebra física, nenhuma lesão, nenhum problema repentino de saúde. Pura e simplesmente não conseguia meter o andamento certo, sentia-me estranho como se não estivesse ali a correr. Foi uma prova em que fundamentalmente o que falhou foi a parte psíquica, pura e simplesmente o cérebro não conseguiu entrar em “modo de maratona”!  
Não sei se um familiar muito querido e gravemente doente teria contribuído para este meu “apagar” durante a prova.
O que sei é que não atribui ao mau tempo que se abateu sobre a prova, com vento forte, chuva e granizo, a minha falha no objectivo traçado
para a mesma. Foi a maratona em que recuperei mais rapidamente o que prova ter andado abaixo dos meus limites.
A felicidade que tive nesta prova veio do resultado obtido na mesma pelo meu tio, que faria o seu recorde pessoal na distância, com a marca de três horas, trinta minutos e trinta segundos. Aos 47 anos, e a menos de dois meses de fazer os 48, o Egas teve uma excelente prestação mas poderia ter sido muito melhor, não se tivesse lesionado antes da última volta, acabando por a fazer em grande dificuldade física e perdendo imenso tempo. Não tivesse sido a lesão, era bem provável que o Egas me tivesse apanhado ou mesmo ultrapassado!
Um dado curioso, e que atesta a condições atmosféricas em que decorreu a prova, foi facto que me foi relatado recentemente por um dos cronometristas daquela longínqua maratona: teve de se meter debaixo do saudoso jipe UMM para conseguir fazer a cronometragem! (chips era coisa nem sonhada na altura). 

Se corri oficialmente a maratona por quatro vezes, o certo é que faria por mais três vezes a distância da maratona.

Em 18 de Abril de 1987, participaria na segunda edição das 12 horas de Vila Real de Santo António, onde obteria a marca de 101,650 km (quinto classificado) tendo assim cometido o “exagero” de correr duas maratonas seguidas e ainda mais alguns quilómetros.

Muito mais recentemente, em 2017, precisamente no dia em que passaram 30 anos sobre a minha participação nas 12 horas de Vila Real de Santo António, fiz um treino comemorativo do facto, correndo 45,250 km (dados de GPS).
Agora, graças às novas tecnologias, posso ver no GPS que nesse dia corri os 42,195 km em seis horas, três minutos e seis segundos. Claro que os dados do GPS não são 100% exactos mas o certo é que nesse dia juntei mais 42,195 km à minha colecção.

Tenho assim que entres provas oficiais, uma prova de 12 horas e um treino comemorativo, corri por sete vezes os 42,195 km. Confesso que só recentemente fiz esta contabilidade, e fiquei a pensar que era bonito chegar às 10 vezes em que tenha corrido os 42,195. Mas acho que o “esqueleto” já não dá para grandes avarias. De qualquer forma, ainda vou “mexendo”!


7 comentários:

  1. è disto que o povo gosta, pelo menos este povo que sou eu :) … já disse e repito que adoro estas histórias dos corajosos dos primórdios, quando a corrida ainda não era para todos, muito menos a moda que é hoje em dia, equipamentos e organizações rudimentares mas com os resultados que estão à vista, bem acima da média de hoje. Sem esquecer as limitações fisicas do "doido" :). Ainda estou longe dessas 3h10, mas acredito que posso chegar muito perto das 3h se as lesões não me aponquentarem e se eu me deixar de maluquices e concentrar numa Maratona em vez de andar a divagar de prova doida em prova doida. Será difícil chegar às 10, mas continua a sonhar e acima de tudo continua "doido" a superar o que é possível … isso é que importa. Grande e forte abraço Jorge

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    1. Tenho a certeza que até podes baixar das 3 horas na maratona se te concentrares e treinares para isso. Mas só te podes meter num projecto desse se sentires mesmo vontade, senão não vale a pena. Na vida, infelizmente, não podemos fazer só o que nos dá prazer mas na corrida podemos sempre optar pelo que gostamos. Se sentires vontade em testar os teus limites na maratona FORÇA, senão deixa-te andar de prova doida em prova doida! Forte Abraço.

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  2. Grandes histórias e recordações!
    Mas tenho que me "zangar" contigo! Então chamas de "modestas" maratonas ao que fizeste?!? Todas entre 3.10 e 3.29, abaixo dos 5 ao Km e ainda chamas de modestas?!? :)
    Um abraço e quem sabe se essas 7 não vão ter companhia. Nunca deixes de sonhar!

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    1. Tu tens autorização para te zangares sempre comigo! :)
      Tento nunca deixar de sonhar e inventar desafios para a minha fasquia actual.
      O teu histórico das provas deu-me imenso jeito para este texto! Grande abraço.

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  3. Gosto imenso de ler estas histórias, qual transmissão oral de lendas de outros tempos.

    Foi um pouco mais tarde mas na decade de oitenta que também "nasci" para o altletismo, mas para mim o limite eram 400...metros :)

    E...o sonho comanda a vida, escreveu o poeta.

    Abraço

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  4. Que grandes histórias!
    Tempos épicos!
    As voltas na Granja do Marquês tinham que distância?
    Abraço,

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