No
passado dia 18 de Abril decorreram 30 anos sobre a minha participação na 2ª
edição das 12 Horas de Vila Real de Santo António. Já escrevi um texto sobre
isso aqui no blogue.
Passados
que foram 30 anos achei que teria a sua “graça” comemorar a data e a única
forma que via de o fazer era a correr!
Assim
nasceu “A COISA” pois se não era um treino nem uma prova só podia ser a “A COISA”!
Comecei
a germinar ideias sobre “A COISA” no verão do ano passado e em Outubro
lancei-me nos treinos específicos. A ideia eram 3 meses de pré preparação ou
seja Outubro, Novembro e Dezembro. E Janeiro, Fevereiro e Março seriam os meses
mais intensos sendo que o mês de Abril já seria o treino em decrescendo até ao
dia D ou seja o dia 18.
Basicamente
gostaria que “A COISA” tivesse uma distancia simbolicamente acima dos 42,195 da
maratona e apontei para os 45 quilómetros o que para a minha actual forma
física e limitações de toda a ordem era excelente.
O
treino era simples: 4 treinos semanais de corrida e um de bicicleta que seria
simplesmente usado como recuperação. A fórmula do treino também era a mais
básica e simples possível: Paulatinamente aumentar a carga de quilómetros
metidos nas pernas, fazer alguns longos de 30 quilómetros, meter sempre uma quarta
semana de recuperação depois de três semanas a aumentar a carga e usar sempre o
princípio de a um treino mais forte segue-se outro mais fraco.
Se
a mecânica do treino era simples, a execução do mesmo foi muito complexa com
problemas vários.
Logo
em Outubro fui acometido de fortes crises de ansiedade e tive de conseguir
manter o treino mesmo em condições psicológicas extremamente difíceis.
Depois
diversos problemas a nível do “esqueleto” faziam-me andar sempre com o credo na
boca a ver se não me lesionava.
Foram
muitos dias de pés metidos em água gelada, de massagens da planta dos pés com
uma bola de golfe, de apanhar sustos, de ver o que está mal hoje e bem amanhã.
No
meio disto tudo, problemas familiares e com a saúde de um familiar também se
atravessaram no meu caminho.
Mantendo
este projecto quase no secretismo total o meu grande apoio em termos
psicológicos foi o João Lima que me aturou em dezenas de SMS e emails e sempre
teve aquela palavra amiga, sempre acreditou que eu conseguiria, sempre me deu um
apoio e força incondicional que nunca mais poderei esquecer.
E
chegou o dia 18 de Abril e o João Lima cá estava para o apoio logístico
pontualmente às 6:15 e às 6:31 a “COISA” arrancou!
O
percurso era atravessar para o outro lado do Tejo na Ponte Dona Amélia e seguir
até Santarém pelo Caminho do Tejo (usada nas peregrinações a Fátima).
Se
pensam que vou fazer o relato exaustivo de como decorreu “A COISA” quilómetro a
quilómetro vão ficar desiludidos
Tenho
sensações, memórias de alguns pontos-chave mas, curiosamente, não guardo grandes
memórias.
Esta
ausência de memória talvez se deva ao facto da estratégia usada ser mesmo essa
de apenas pensar em termos de 20 minutos que era o tempo que delimitava cada
abastecimento e tentar pensar em pouco mais. Um género de piloto automático, de
desligar o cérebro e dar às pernas!
O
começo foi complicado, com uma enorme carga nervosa e parecia que tinha
começado logo pelo muro da maratona!
Depois
acalmei e entrei em velocidade cruzeiro e tudo normalizou.
Um
dos meus grandes medos era o calor que se podia vir a fazer sentir e tive
enorme sorte pois o dia revelou-se fresco, ventoso, céu nublado e até cairam
algumas gotas de chuva!
O
borrifador e o garrafão de 5 litros de água para os “duches” não foram usados!
Nem protector solar foi necessário!
Para
além de um tipo de piso em estradão com alguma pedra à mistura e nalguns locais
mais deteriorado pela passagem dos tractores, de que eu não sou particular fã,
e se torna massacrante ao longo dos quilómetros, a primeira grande dificuldade
veio com a longa subida para Santarém que se geriu com muita calma.
Bem
antes disso tive alguns problemas com os gémeos a queixarem-se, ou os
quadricules mas que se iam gerindo e resolvendo com os abastecimentos que
tinham soluções para quase tudo!
O
encontro com o João Lima em Santarém foi quase milagroso pois eu entrei no
centro da cidade de forma diferente da dele e ele esperou por mim não
propriamente no local previsto.
Mas
algum conhecimento da minha parte da cidade e alguma sorte resultaram num
encontro perfeito e sem recurso a telemóvel!
Com
isto tudo julgo que saí de Santarém com 20 quilómetros no “lombo” e uma grande
descida para gerir e se subir custa, descer causa muito mais estragos a nível
muscular.
Até
aos 30 quilómetros nem posso dizer que tivesse assim grandes dificuldades
embora não fosse fresco que nem uma alface (!) mas fazia-se.
Dos
30 para os 35 já “A COISA” começou a pesar mais e quando cheguei a Porto de
Muge já ia o que se pode chamar feito num oito! Faltariam uns três quilómetros
para casa mas isso era se fosse a direito e ainda me faltavam mais alguns
quilómetros para os desejados 45.
Combinámos
novo encontro debaixo da Ponte Dona Amélia, junto ao Tejo, e aí chegado foi a
vez de um abastecimento reforçado e decidi fazer os km em falta numa estrada
que segue junto ao Tejo que começa em alcatrão e depois passa a terra batida.
Que
ideia que eu fui ter! Estava um vendaval enorme e se nessa longa recta fui com
vento de costas o retorno foi mesmo um autêntico inferno com um vento
fortíssimo de frente e já sem força nenhuma! Duro, duro, duro mas duro!
Mas
lá cheguei novamente ao carro do João Lima (tinha-lhe pedido para esperar por
mim e me deixar fazer aquele bocado do percurso sozinho).
Com
novo abastecimento, uma paragem mais longa e lá arranquei para os dois
quilómetros e picos que me faltavam.
As
pernas estavam mais perras que nunca mas “A COISA” estava feita! Ainda tive uma
pequena dificuldade acrescida que foi ultrapassar uma máquina que estava a
limpar a berma da estrada o que tornava a já de si estreita estrada em estrada
só com uma faixa. Ainda fui fazendo sinais aos carros que passavam por mim para
reduzirem a velocidade. Deviam pensar que eu era maluco mas quando chegavam à
curva e viam a grande máquina em manobras logo entendiam.
Finalmente
atravesso a pequena ponte de metálica, entro no Rossio e sigo pela ciclovia.
Novo encontro com o João Lima, agora sem paragem nem abastecimento e ele segue
de carro atrás de mim.
Finalmente
a subida do Palácio, que fiz centenas de vezes em treino, a subida do palácio
tantas fezes feita de bicicleta na minha infância.
Chego
à minha rua, passo pelo João Lima parado junto do portão da minha casa,
digo-lhe os km volto para trás e entro numa rua sem saída mesmo atrás da minha
casa! Finalmente tenho noção do que acabei de fazer, acordo para o mundo e
dou-me à festa! E que festa!
Levanto
os braços, corro em zigue zague de braços abertos a fazer que voava (!) dou um
tremendo berro, eu sei lá!
Ainda
estou a pensar que se os recentes vizinhos ex imigrantes na Bélgica, julgo eu, viram
aquela cena devem ter pensado que o vizinho é maluco! Por acaso não se
enganaram, é mesmo!
Pronto
45,250 km em seis horas trinta e um minutos e 18 segundos!
Trinta
anos depois de ter sido um dos pioneiros da ultra maratona em Portugal ainda cá
estou e “vivo”!
Não
fiz nada de especial! Mas consegui comemorar o facto de ter sido um dos
pioneiros da Ultra Maratona em Portugal e, infelizmente, já não somos assim
tantos ainda em actividade.
A
dimensão dos desafios não se mede pelos km efectuados mas pelo esforço que eles
representaram para quem os fez!
Para
mim foi um grande desafio superado.
Foi
uma vitória pessoal, de sangue, suor, lágrimas, raiva mas sobretudo de
toneladas de amor para com os que correram ao meu lado ao longo destes 37 anos
que levo nesta vida de ligação com a corrida. E muitos deles “foram comigo”
nesta aventura porque um ultra maratonista nunca corre sozinho por mais
solitário que aparentemente se encontre!
Nada
disto seria possível sem o apoio de muita gente, muitos, ou quase todos, nem
sabiam o que andava a preparar mas os seus exemplos, os seus comentários aos
meus treinos, a sua amizade, foram fundamentais.
Mas
cinco nomes têm que ser aqui publicados por uma questão de justiça:
Mário
Machado, sem os seus conselhos técnicos no que concerne aos abastecimentos, esta
aventura não chegaria a bom porto.
A
minha mulher que me “aturou” durante a longa preparação para esta aventura. Sem
ti, Augusta, a minha existência seria bem mais cinzenta e triste.
A
minha mãe, a melhor mãe que um ultra maratonista pode ter e a sua sopa mágica
de abóbora com farinha de milho que tão excelentes resultados deu e dá no
carregamento de hidratos de carbono antes das grandes aventuras!
Para
eles a minha gratidão não tem limites.
Estes
45,250 km são para o meu grande amigo António Matias, vencedor da primeira e
segunda edição das 12 horas de Vila Real de Santo António, pioneiro na
organização das provas de montanha / trail em Portugal. O “Pai” deste tipo de
provas no nosso país. Força campeão!
E um
abraço muito especial ao António Belo meu “adversário” nas 12 horas e que
continua a correr, e já são muitas primaveras que leva em cima!
Nota: o
meu agradecimento à Sofia pelo apoio voluntário e inesperado nos últimos km e
pelas fotos. Também um dia ela será ultra maratonista!
Mais uma vez, porque nunca é demais, MUITOS PARABÉNS, por tudo!
ResponderEliminarQuanto a mim, foi um prazer o privilégio de poder ter sido de alguma forma útil a este teu projecto.
Um abraço e FORÇA para mais!
Tu foste o MOTOR deste projecto. Sem ti nada disto se tinha realizado! OBRIGADO!.
EliminarAquele abraço.
:)
ResponderEliminarContinue a dar-nos exemplos desses! :)
Não posso dar muitos senão desmancho-me todo! :)
EliminarGrande Jorge, excelente ideia e muito bem concretizada!
ResponderEliminarForte Abraço de Parabéns, extensivo a esse Grande Elemento que foi (é) o João Lima!
Orlando Duarte
Ps: Aproveita a base e vai aparecendo por aí...
Muito obrigado Orlando Duarte. Este foi também um projecto de amizades e colectivismo nestes temos de individualismo em que cada um só olha para o seu umbigo! Por alguma razão eu e o João Lima temos os nossos blogue geminados! Quanto ao aparecer para além de a corrida com dorsal já não ser muito motivadora para mim ainda tenho grandes dificuldades económicas e logísticas que me dificultam muito as minhas saídas aqui da minha "toca". Mas vou inventando estes projectos particulares que me dão muito prazer! Forte abraço.
EliminarCompanheiro
ResponderEliminara "coisa" fez-se, parabéns e abraço.
António Almeida
Obrigado! Grande abraço.
EliminarEspetacular Jorge! É deste tipo de coisas que todos nós precisamos te ter uma experiência uma vez que seja. Não é só de provas que os nossos objetivos pessoais são feitos.
ResponderEliminarUm dia quem sabe, após fazer a minha primeira maratona, não faço algo parecido.
Parabéns mais uma vez!
Um abraço
Muito obrigado Vitor!
EliminarUm grande abraço.
Adorei ler! Muitos, mas muitos parabéns!
ResponderEliminarGostei especialmente quando disseste "a dimensão dos desafios não se mede pelos km efectuados mas pelo esforço que eles representaram para quem os fez", porque é uma grande verdade. É por isso que na meta aplaudo do primeiro ao último. E aplaudo a tua Meta também! :)
Parabéns pela "COISA"!
Beijinhos grandes
Muito, muito obrigado Rute!
EliminarTe és uma das minhas fontes de inspiração e também foste comigo nesta "viagem" sempre bem junto ao meu coração!
Beijinhos grandes!
Adorei, foi muito emocionante esta tua coisa! Muitos parabéns Jorge. "Não fiz nada de especial", diz ele. Não tenho uma secção de aplausos no meu blog, mas na minha vida tens lugar cativo na secção de inspiração! Um abraço e mais uma vez parabéns!
ResponderEliminarMuito obrigado vizinho!
EliminarTu és um daqueles ultras da nova geração que come quilómetros, como quem come tremoços. Uma grande fonte de inspiração para mim o teu exemplo!
A minha ideia inicial era fazer o retorno pela pelo lado de Almeirim ou seja na Tapada apanhar um atalho que vem dar aquela estrada agrícola que passa ao lado de Almeirim e acaba em Benfica do Ribatejo mas isso além de aumentar a quilometragem complicava muito a vida ao João Lima que não conhece a zona (eu próprio há sectores que não conheço). Mas quem sabe um dia arranjo pernas e coragem para fazer essa volta que é muito mais engraçada que fazer aquilo como eu fiz.
A subida das Onias para Santarém julgo que não vem no teu catalogo de subidas em Santarém mas também é “simpática”. Lembrava-me dela, mal, de a fazer de BTT algumas vezes na década de 90.
Forte abraço.
Parabéns,Jorge!!
ResponderEliminarLi e reli a postagem,aprendi muito com suas palavras.
Abraço.
Muito obrigado!
EliminarGrande abraço aqui deste lado do mar!
Muitos parabéns amigo Jorge!
ResponderEliminarQue feito espectacular!!!
Dá para perceber o quão especial e emotivo foi para ti esta celebração.
45 km sozinho não deve ter sido nada fácil mas, é como dizes, não estavas sozinho :) Tinhas o João e muitos outros contigo no pensamento :)
Mais uma vez muitos parabéns pela dedicação, esforço e garra.
Beijinhos
Muito obrigado Isa!
EliminarE só o João Lima falia por 500! :)
Beijinhos.
Nota: E ainda tive a Sofia de Bicicleta na partida e na parte final!
Eh pá, que "coisa" fantástica! Um texto para ler e reler quando for preciso ir buscar inspiração! Parabéns!
ResponderEliminarMuito obrigado amigo!
EliminarÉ tão bom ser fonte de inspiração para alguém.
Bons treinos.
Um abraço.
"Coisa" admirável e que belo texto. Exemplo inspirador, sem dúvida!
ResponderEliminarContinuação de boas corridas!
Obrigado prima! Um abraço.
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