1-Duche Forçado - Mafra, IIª Corrida dos Sinos, 12-Fev-1984
Em tempos idos a meta situava-se no fim de uma longa subida pela avenida, a dos Bombeiros, que termina em frente do Convento, o que exigia alguma forma para terminar em força, depois de mais de 14 km de desgaste, dos quais metade praticamente a subir. A prova desse ano não me estava a correr mal, mas a rampa final estava a custar-me.
Alguns assistentes davam água aos atletas (bons tempos!). Eis senão quando um deles se aproxima da berma da estrada com um balde de água na mão, quando me aproximava. E tudo foi tão rápido que não deu tempo para me afastar nem sequer para protestar. Quer quisesse quer não, levei com a água que enchia o balde pela cabeça abaixo.
As intenções do assistente suponho que eram boas, mas temi o pior, receando um colapso. A verdade é que o violento choque térmico recebido, porque não estava frio nessa manhã de Fevereiro, teve sobre mim um efeito galvanizador e perante aquele duche forçado, subi a velocidade nunca antes sonhada, acabando por bater amigos que normalmente chegavam antes, conseguindo o meu recorde pessoal naquele prova, que aliás nunca mais bati… Mas também nunca mais me aproximei demasiado de um espectador com um balde de água na mão!
2-Cartão de Controlo Extraviado - Nazaré, XIª Meia-Maratona, 17-Nov-1985
A forma até não era má, a poucas semanas de fazer mais uma Maratona. Tanto que andei rápido para as minhas possibilidades, na mira de um bom tempo naquela carismática prova. Na subida já dentro de Famalicão, cruzei-me com alguns amigos e verifiquei que estava bastante melhor que o habitual e tinha deixado para trás muita gente conhecida. O bidão de retorno aproximava-se velozmente. E então o inacreditável aconteceu. Não uma troca da ordem de letras quando matraqueamos o teclado com velocidade excessiva, ou até de palavras, mas algo de muito mais grave. Troquei simplesmente as ideias! “Dar” em vez de “receber”. E sem pensar arranquei o cartão de controlo e deitei-o dentro do bidão.
O colar de controlo foi-me efectivamente depois entregue, quando já iniciava o regresso à Nazaré, mas o mal estava feito e apesar da magnífica prova que fiz dessa vez, ainda na esperança de conseguir convencer os controladores dos funis da desgraça que me acontecera. De facto jurei a minha inocência, protestei, entreguei o dorsal, apresentei testemunhos dos atletas que chegaram junto. De nada me serviu. Fui irremediavelmente desclassificado. Mas bastava que tivessem ido verificar aquele maldito bidão para encontrarem lá dentro o meu cartão de controlo. Ninguém se ralou. Era apenas mais um atleta de pelotão, sem importância entre milhares. De facto não tinha importância nenhuma. A não ser para mim. E assim fiquei com menos um registo oficial de participação numa meia-maratona que de facto fiz. E ainda por cima, com o melhor tempo naquele percurso. Escusado será dizer que no ano seguinte lá estava outra vez, como muitas vezes depois, mas durante muito tempo olhei de lado para fatídico bidão a pensar, “que falta o oxigénio nos faz…”
3-Os Hospitalizados
Foi na IIª Maratona Spiridon, no Autódromo do Estoril, em 18-Dez-1983. Era a minha primeira maratona. Evidentemente que a encarei com todos os cuidados, seguindo à risca as instruções recebidas no “Centro de Treino” e procurando cumprir os tempos de passagens previstos para as oito voltas no Autódromo, onde dessa vez os sapatos substituíam os pneus e a água a gasolina.
Já não sei em que volta foi, mas seguramente para cima dos 30 km, que se me depara uma cena de arrepiar. Um atleta amarfanhado no chão, a gritar desalmadamente “acudam-me que eu morro!”. Sei que fiquei apavorado. Que corri o mais que pude para o posto de controlo mais próximo, que não era longe, a pedir auxílio.
Não morreu! Mas espero que tenha aprendido a lição de nunca mais andar mais rápido do que podia numa Maratona.
Mas apesar de todos os nossos conselhos, que resultavam da experiência de já termos algumas dezenas de participações em competições de estrada, havia sempre um ou outro companheiro que se esquecia dessa regra primeira do desporto - “nunca ir além do limite”.
E o resultado era sempre o mesmo! No final das provas, lá íamos nós, buscá-los às UCI’s ou aos SO’s dos hospitais mais próximos! Houve até quem tivesse que lá passar muito mais que um bom par de horas. Agora até dá vontade de rir. Mas na altura… Acreditem que aconteceu várias vezes, até a camaradas que depois se viriam a transformar em excelentes atletas, quando compreenderam finalmente a razão da máxima. E não era preciso tratar-se de provas longas. Bastavam os 10 ou 12 km, para os nossos amigos, na ânsia de acompanharem a cabeça da prova caírem para o lado exaustos e só recuperarem com oxigénio e soro forçados, no leito de um hospital! Para grande preocupação nossa e das famílias. E ainda por cima com a roupa dos atletas hospitalizados, guardada nos nossos carros!
EVB, 22 de Dezembro de 2009
*Nota: A foto ilustrativa deste texto foi retirada da internet.
Um, dos muitos, percalços que podem acontecer a um corredor mas que não são razão para desistir!*
Olá Jorge!
ResponderEliminarGostei sobremaneira da História do "Duche Forçado - Mafra", deve ter sido "engraçado", para quem viu :)) ... sorte teve o "gajo" do balde de não ter "batido à porta " dum maluco, se não era ver começar ali, "outra" Prova, só que "esta" era de perseguição ao homem do balde :))
Tema para uma dia o Jorge escrever uma Crónica, com o título .... "Foi um Balde de àgua Frio" !
Devia haver mais Companheiros a escrever "Histórias de Corridas" !
Parabéns!