sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

UM POUCO DE HISTÓRIA SOBRE A ORGANIZAÇÃO DE PROVAS EM PORTUGAL.


Começámos a participar em provas nos inícios da década de 80, por isso somos testemunhas da tremenda evolução que as mesmas sofreram deste essa altura, no que diz respeito à parte técnica da sua organização.
Para além de praticantes de corrida também prestámos colaboração, embora modesta, em várias provas, o que nos dá uma visão mais profunda dos bastidores das mesmas e como tudo foi mudando.
Nos inícios da década de 80 não havia chips, nem recurso a meios informáticos e tudo era feito manualmente.
Basicamente o atleta passava a meta, entrava no “funil”, entregava o dorsal e o mesmo era espetado num espeto (passe a redundância).
O espeto (ainda hoje muito usado em provas de dimensões menores) e o dorsal, eram a base de tudo para a elaboração das classificações.
O espeto era um arame grosso, pontiagudo numa extremidade e atarraxado numa base metálica, na outra ponta (ver foto que documente este texto).
Os dorsais eram aí espetados e depois a classificação era elaborada mediante a retirada desses dorsais, sendo conferido a que atleta, escalão e equipa pertenciam os mesmos.
Nos dorsais mais elaborados já havia na parte de trás os dados indicativos do atleta (nome, clube e escalão) tornando mais fácil e rápida a elaboração da classificação.
Mas nos primeiros tempos eram dorsais feitos a cartolina, manualmente, em noites de trabalho voluntário, e apenas continham o número do atleta, o que obrigava a consultar uma listagem, para ver a que atleta correspondia o número do dorsal.
Claro que essas listagens, e mesmo as classificações, eram feitas com recurso às “velhinhas” máquinas de escrever, pois outro equipamento não existia.
Mas sendo os dorsais feitos em cartolina, ou (e isto já era um avanço) impressos em papel absolutamente normal, era frequente o atleta chegar a meta sem dorsal, devido ao suor ou à chuva. Muitas vezes os dorsais, pura e simplesmente, desfaziam-se!
Como classificar um atleta sem dorsal?! Nesses tempos de pioneirismo havia sempre folhas de papel e caneta nas mesas dos “funis”. Atleta sem dorsal, perguntava-se-lhe o número, caso ele se lembrasse, era só escrever o mesmo numa folha de papel e metê-lo no espeto em substituição do dorsal.
Em caso do atleta não saber o número, perguntava-se o nome, clube e escalão e metia-se uma folha com esses dados no espeto.
Face à fragilidade dos dorsais, havia quem levasse fita-cola e tesoura para as provas e reforçavam-se os quatro cantos do dorsal (onde levam os alfinetes) de modo a tentar acabar a prova com o dorsal intacto!
Mas e a cronometragem? Com se fazia? Não se atribuíam tempos aos atletas?
A cronometragem era feita mediante a colocação de dois elementos da organização na linha de meta um com o cronómetro e outro com as folhas de papel, onde ia escrevendo os tempos à medida que os atletas cortavam a meta!
O colaborador da organização com o cronómetro, ia dizendo os tempos dos atletas à medida que cruzavam a meta e o outro elemento registava os tempos na folha de papel.
Depois, no secretariado da prova, era “só” casar os tempos dos atletas com os dorsais tirados do espeto, tudo pela ordem de chegada.
Não era tarefa nada fácil e exigia grande prática, este sector da cronometragem.
Depois começaram a surgir cronómetros com um rolo de papel, em que bastava carregar num botão cada vez que um atleta cruzava a meta para registar esse tempo. Um grande avanço, que facilitava muito as classificações.
As provas começaram a crescer e os funis a ficarem curtos e a não dar vazão aos atletas chegados.
Como fazer para escoar os atletas e não se formarem filas atrás da linha da meta, de modo a todos passarem a meta a correr?
Foi para resolver estas situações que surgiram as provas com funis duplos, triplos ou mais e os “grandes maestros” que comandavam este delicado sector.
Como funcionava tudo isto?
Em teoria era simples! Por exemplo numa prova com três funis, distribuíam-se os espetos pelas mesas, devidamente numerados e por ordem.
No caso de três funis, é evidente que o terceiro espeto estaria no terceiro funil e o quarto espeto no primeiro funil, pois os funis eram abertos sucessivamente e por ordem.
A abertura e fecho dos funis eram feitos mediante um sistema com uma corda e era aqui que actuava o tal “maestro” que orquestrava com mestria esta zona.
Para “complicar” as coisas muitas vezes eram dados diplomas numerados e esses tinham que ser distribuídos por ordem pelas mesas e isso obrigava a um rigor extremo no controle dos atletas que entravam em cada funil!
Voltando ao exemplo de uma prova com 3 funis, podia-se escalonar os diplomas em series de 100 e já se sabia que no terceiro funil estariam os diplomas correspondentes aos atletas que chegavam na casa das três centenas e os atletas da casa das quatro centenas entrariam no primeiro funil (depois de se dar a “volta” aos três funis).
Confusos? Agora imaginem o que era uma prova com grande número de atletas chegados, controlar isto tudo, contar os atletas de modo a que só entrasse num determinado funil o numero estipulado, fechar rapidamente um funil e abrir outro. Enfim um trabalho bem complicado a pedir gente com muita prática!
Houve também outros métodos de classificação que não implicavam o dorsal mas sim o recurso a um cartão que continha todos os dados dos atletas.
De uma forma básica e o mais sucintamente que conseguimos explicar, foi esta a forma que se usava para elaborar classificações no princípio da corrida a pé em Portugal nas chamadas provas abertas a todos.
Na actualidade ainda se usa o espeto em provas de pequena dimensão, mas tudo o resto, no que diz respeito as classificações, é apoiado por meios informáticos, tornando a as classificações bem mais fáceis e rápidas de elaborar.
Uma das primeiras grandes evoluções na organização das provas em Portugal (antes da chegada dos chips) foi implantada na Meia Maratona de Lisboa, mediante o recurso a um código de barras impresso no dorsal e a leitura do mesmo através de uma “pistola scanner”, o que fazia com que a classificação do atleta chegado fosse imediatamente tratada informaticamente.
Depois chagaram os chips às grandes provas e tudo ficou mais simplificado, mas mesmo assim não deixou de haver batoteiros, como aqueles que levam dois chips nos sapatos!
Mas este texto vai longo (talvez longo demais) e esse sector do controle dos atletas durante o percurso das provas fica para uma próxima oportunidade. Mas podemos perguntar, se alguém ainda se lembra de uma prova em o controlo dos atletas se fez com recurso a agrafadores?!
Esperamos ter-mos contribuído para dar uma noção aos corredores mais recentes, de como tudo era feito nos primórdios. Esperamos, igualmente não termos sido atraiçoados pela memória e sido, dentro do possível, rigorosos nas explicações que demos.
Aproveitamos para lançar um desafio aos amigos organizadores que andam “nesta vida” há muitos anos: venham aqui contar as vossas histórias e “aventuras” na organização das provas. Este espaço, como sempre, é vosso!

6 comentários:

  1. Eu comecei a correr na década de 70 Jorge.

    8 anos de idade, a 1ª medalha: 25 Abril do ano de 1977...

    http://mariasemfrionemcasa.blogspot.com/2009/04/25-de-abril-1974-2009.html

    nostalgia...nostalgia...

    Beijinho
    Ana Pereira

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  2. Interessante visita ao "museu das corridas", onde se guardam todas as "ferramentas" que usei.
    Essa dos agrafadores é que me passou ao lado. Mas acaba de me ser lançado um interessante desafio. E a máquina de stencil? e o cartão de identificação ao pescoço? e os talões de controle do percurso ?
    É só arranjar um bocadinho e falarei da minha experiência dos tempos em que "gatinhavam" as provas populares.Algumas chegaram aos dias de hoje e são contemporâneas das que utilizam as mais modernas tecnoliogias.
    Abraço.
    FA

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  3. Ora aqui está um interessante tema... É que sou novo nestas andanças e gosto muito de "ouvir" contar estas histórias.
    Vamos lá então, pf, a puxar por essas memórias meus Senhores da velha guarda.

    RL

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  4. Dos inconvenientes do método, posso contar um episódio trágico-cómico, quando não fui classificado, em 1985, na Meia-maratona da Nazaré, por ter perdido o chamado cartão de controlo, que trazíamos pendurado numa coleira ao pescoço.
    Isto é, por, num acto irreflectido (óbvia falta de oxigénio) o ter deitado dentro do bidão de retorno. Não se riam, porque dei imediatamente conta do enorme disparate - confusão entre receber e dar coleira de retorno!.
    Apesar do susto (ou talvez por isso!), fiz uma magnífica prova para as minhas possibilidades de então (melhor tempo na Nazaré!), mas não consegui fazer entender o acontecido a um atarefado, e quase mais confuso que eu, controlador de espetos e isto apesar do coro de apoios de todos os amigos que me rodeavam e me tinham visto fazer a prova.
    O meu dorsal lá ficou espetado, mas nem assim fui classificado! Um desgosto, na altura. Posso rir-me?

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  5. Espectacular texto, Jorge! Muito obrigado por partilhar estes tesouros connosco. Especialmente aos mais recentes em corridas como eu que me iniciei apenas em 2006, a escassos dias de completar 46 anos.
    E como já sou do tempo do chip, estranho provas como a Corrida dos Jogos do Direito, mês passado, onde o controlo foi feito mesmo assim. Um espeto onde se punham os dorsais e o Sobral da Xistarca na meta a escrever os tempos de todos, vendo-os no relógio do carro que vai à frente e que ficou estacionado de maneira a facilitar essa tarefa.
    É com orgulho que oiço alguns atletas de pelotão estrangeiros elogiarem a qualidade a que as nossas organizações chegaram. Lá, normalmente, apenas têm essa qualidade nas grandes provas, não como aqui em que a maioria tem todas.

    Um abraço

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