terça-feira, 22 de outubro de 2013

CORRER... COM OS OLHOS FECHADOS

Por: Egas Branco
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A recordação veio-me outro dia, quando ainda ensonado, iniciei a marcha matinal pelas ruas do meu bairro, àquela hora ainda desertas de trânsito, apenas me cruzando com alguns vizinhos e transeuntes, apressados a caminho do trabalho ou da escola.
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É que semicerrei os olhos e deixei-me ir, tentando um andamento confortável que me mantivesse naquele estado de semi-modorra, enquanto a “máquina” ainda ia a aquecer os motores.
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E lembrei-me de outros tempos, quando se faziam treinos no duro, a pensar em conseguir melhorar resultados competitivos. Não de vencer ou ultrapassar os companheiros de estrada mas de melhorar resultados pessoais, em termos de tempos gastos a percorrer distâncias – os 10 km, os 15 km, os 21,097 km, os 42,195 km, para só falar nas distâncias que todos, modestos ou bons atletas, desejamos vencer no menor tempo possível.
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Lembrei-me em particular dos chamados treinos longos, de final de semana, em geral ao domingo de manhã, em que íamos do Estádio Nacional, ou do Jamor, na Cruz-Quebrada, subindo primeiro até Linda-a-Velha, descendo depois para Carnaxide, prosseguindo a caminho de Queluz, virando depois na direcção do mar, para Laveiras, Caxias e o retorno final ao Estádio. Era coisa para duas horas e meia, às vezes um pouco mais, quando fazíamos alguma derivação que aumentasse o percurso.
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E era nesse percurso, em certo troço, em que a estrada descia, o trânsito era praticamente inexistente, que desligávamos a máquina, fechávamos os olhos e vogávamos, numa harmonia entre cérebro, coração, pulmões e músculos, num estado que julgo que só quem corre é capaz de alguma vez sentir, em que o esforço parece nulo e temos a sensação de poder continuar a correr durante um muito longo período tempo, a que não vislumbramos o fim.
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Claro que só recomendamos a alguém que o experimente se conhecer muito bem o percurso, normalmente de estrada, por causa do piso, e em que não haja o perigo de ser surpreendido por algum veículo.
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Suponho que seja também por isso que Nöel Tamini, um dos professores grandes entusiastas por este desporto, por esta actividade física, afirmou um dia que “a corrida é a mais importante das coisas secundárias”. 
Foto original aqui.

6 comentários:

  1. De olhos fechados, acho que nunca corri. Mas com eles abertos sem ver nada, sim, naquela parte escura de Peniche.
    E com eles abertos e a sonhar... tantas vezes!

    Excelente texto!

    Um abraço

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  2. Muito bom....lembro-me de ter fechado os olhos no ano passado na Maratona do Porto....logo nos primeiros km a descer a Boavista e um pouco mais tarde já na Foz para sentir a maresia...breves segundos para me alhear de tudo à volta e sentir verdadeiramente a corrida. Ás vezes faço-o (sempre por curtos espaços de tempo) e curiosamente é quase sempre de manhã muito cedo, sozinho e em dias de longão (por norma ao domingo de manhã)....coincidências de corredores :)
    Aquele abraço

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  3. Um dia experimento :)
    Beijinhos e boas corridas!

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  4. Correr é entrar em um estágio meditativo é quase correr de olhos fechados mesmo, é estar presente em vários lugares é viajar no tempo e ultrapassar as barreiras físicas da mente.
    Boa dica.
    Quem sabe um dia.
    Beijos
    Ju

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  5. Obrigado, João! Também eu! A sonhar e não só nos treinos!
    Até durante a maratona, nos seus 42,195 km e nas nas várias horas que para nós dura, sonhos e projectos desfilam perante nós.
    Talvez os atletas de alta competição a façam exclusivamente concentrados na prova, no percorrido e no que falta, no cumprimento ou não do tempo estabelecido, na posição relativa dos outros atletas que querem vencer. Mas isso só eles poderão dizer.
    Um abraço, Amigo!

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  6. Carlos, Isa, Ju, obrigado pelos vossos comentários! Abraços e beijos

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