sexta-feira, 15 de junho de 2012

O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM PERIGO!

O Último Quilómetro divulga aqui um documento assinado respectivamente  pelo presidente do CNAPEF - Conselho Nacional de Associações de Professores e Profissionais de Educação Física e  pelo presidente da SPEF - Sociedade Portuguesa de Educação Física.
No referido documento é denunciado o autêntico atentado que se pretende fazer ao ensino da educação física em Portugal.
Pedimos desculpa aos nossos leitores pela extensão do documento mas apelamos à sua atenta leitura em fase da gravidade do problema. 
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Foi com profunda indignação e total discordância que a comunidade da Educação Física (EF) se confrontou, no passado dia 25 de maio de 2012, com o teor da matriz curricular para implementar no ano letivo 2012/13, disponibilizada no sítio da Direção Geral de Educação (DGE).
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A total falta de coerência entre o conteúdo desta matriz e o do documento referente à Revisão da Estrutura Curricular que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) apresentou como a proposta final decorrente deste processo, no dia 26 de março de 2012, ao movimento associativo de Educação Física e público em geral, só nos pode levar a concluir que se trata de um equívoco por parte do MEC, um erro que urge corrigir.
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Não são minimamente sustentáveis as decisões que o documento encerra. Esta proposta de matriz promove de forma totalmente injustificada, e sem qualquer base científica, uma redução horária da única área do currículo que contribui direta e decisivamente para a saúde da população infantojuvenil portuguesa, num país que, ao nível da Europa, revela uma das mais baixas taxas de prevalência de atividade física e a segunda maior taxa de prevalência de obesidade e sobrepeso na segunda infância. Consequentemente, promove o desenvolvimento de um dos maiores flagelos do século XXI, o sedentarismo, e compromete o imprescindível desenvolvimento de hábitos de vida saudável na população portuguesa, surgindo em contraponto com uma recente resolução da Assembleia da República, que identifica exatamente este problema e reconhece a necessidade de se reforçar a atividade física da população em idade escolar.
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Para além de não existirem nenhumas razões conceptuais, científicas e de natureza curricular que fundamentem a agregação da EF, Educação Visual, Tecnologias da Informação e Comunicação e Oferta de Escola numa área intitulada de Expressões e Tecnologias no 3º ciclo, é atribuído um crédito total de minutos a esta área para ser gerido no seio de cada escola, de acordo com o critério dos seus gestores. Tal aglutinação permite que possa vir a desprezar-se totalmente a carga horária que estava definida para a área curricular da EF, por ano/ciclo de escolaridade, que, já por si, era claramente insuficiente face a todas as orientações internacionais, nomeadamente europeias. No caso particular do Ensino Secundário, é proposta uma redução de trinta minutos na carga horária da disciplina de EF, o que perfaz cerca de menos 16 horas de aulas anuais, ou seja, menos cinco semanas de aulas por ano.
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O que está em causa não é a atribuição de maior liberdade/autonomia às escolas na gestão das cargas horárias, com a qual, por princípio, concordamos. Contudo, jamais poderemos concordar que, para além da confusão conceptual já referida no 3º ciclo, se apresente uma matriz de forma totalmente anárquica, sem qualquer coerência, que não defina, tal como o faz para o Português, Matemática e Educação Visual (que não são áreas curriculares, mas sim disciplinas do currículo), o tempo mínimo por semana que a área curricular de EF deve ter em cada escola, do 1º ao 12º ano. Garantido esse tempo mínimo, poderiam as escolas, mediante critérios pedagógicos com vista ao sucesso dos alunos, atribuir mais tempo a determinadas disciplinas, inclusivamente à própria EF.

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Os Programas Nacionais de Educação Física e as Metas de Aprendizagem (recentemente elaboradas e daí decorrentes), cujos princípios e modelo têm a nossa total concordância (pois são totalmente fiéis às moções aprovadas pelos profissionais ao longo das duas últimas décadas), são muito claros nas orientações que definem. Foram elaborados na base do compromisso de um mínimo de3 aulas semanais, em dias diferentes e, desejavelmente, não consecutivos, para qualquer ciclo de ensino, no sentido de garantir coerência no desenvolvimento do currículo desta área na escola sem comprometer os seus objetivos e a sua especificidade.
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Passados vinte e dois anos da primeira reforma, está sobejamente comprovado que a carga e a regularidade de atividade física que qualquer criança e jovem até aos 18 anos devem desenvolver são de 60 minutos por sessão e cinco vezes por semana. Esta questão é, aliás, muito clara e encontra-se igualmente muito bem explícita, quer pela unanimidade e multiplicidade de trabalhos de investigação publicados sobre o tema, quer nas últimas orientações curriculares europeias, nas reiteradas recomendações da Organização Mundial de Saúde, pelo Parlamento Europeu, pela European Physical Education Association (EUPEA) e pelos pareceres emitidos pelas associações representativas dos profissionais de Educação Física.
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A EF é, e deverá ser sempre, uma área da formação geral, a par do Português, para todos os alunos até ao final da escolaridade, independentemente das suas vontades e vocações (como é o caso do Desporto Escolar, facultativo), organizada no maior número de aulas semanais possível, na unidade turma, segundo o seu próprio Programa, por objetivos (em termos de competências genéricas por área/ciclo e específicas por matéria/ano), estabelecendo um plano curricular do 1º ao 12º ano, de aplicação flexível e orientada para a realização dos objetivos de ciclo, para todas as escolas.
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Como se as más notícias não bastassem, tivemos acesso a um projeto de diploma onde, entre outras alterações, a nota de EF no final do ensino secundário deixará de contar para a média de acesso ao ensino superior, excepto para alunos que queiram fazer prosseguimento de estudos nesta área. A confirmar-se, esta medida provocará um retrocesso tremendo na importância da EF e do seu estatuto de equidade com as suas congéneres da formação geral. A reorganização curricular do ensino básico e a reforma curricular do ensino secundário, regulamentadas pelos Decretos-Lei n.º 6/2001 e 74/2004, respectivamente, vieram como nunca reconhecer a importância da avaliação em EF como um mecanismo essencial e imprescindível de valorização e distinção do trabalho dos alunos e de desenvolvimento da própria área disciplinar, consagrando-a assim, bem como aos seus conteúdos, como uma área de carácter singular e insubstituível, com estatuto semelhante a todas as outras disciplinas do currículo nacional. A manterem-se estes critérios de acesso ao ensino superior, a atribuição de um estatuto de excepção à EF no contexto das demais disciplinas apenas poderia conduzir a situações nada desejáveis como, para além de todas as questões associadas à saúde e à educação do ser humano no âmbito das actividades físicas, prejudicar os alunos que investem nesta área disciplinar e obtêm classificações elevadas (que são a maioria), promover atitudes de pouco investimento na mesma por parte dos alunos e legitimar o estado de coisas no que diz respeito à desigualdade das condições físicas e materiais dos diferentes estabelecimentos de ensino, comprometendo de forma irremediável a educação dos alunos e o desenvolvimento da disciplina.
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A acrescer aos cortes em relação à disciplina de EF, o que levou agora o MEC a cortar no tempo que cada grupo-equipa, no âmbito do Desporto Escolar, dispunha semanalmente, já de si insuficiente (Despacho normativo 13-A/2012)? Do ano letivo 2010/11 para o ano letivo 2011/12, passou-se de uma atribuição de 4 horas semanais por grupo-equipa para 3 horas (aliás, 135 minutos), e a perspetiva de aumento e garantia de oportunidade de prática desportiva na população jovem é agora reduzi-lo as umas insignificantes 2 horas (aliás, 100 minutos)?
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Considerando as graves consequências para as finalidades do sistema educativo nacional e a forte indignação da classe dos profissionais da EF face a estas orientações, solicitámos ao MEC a suspensão destas matrizes e a realização de uma audiência urgente. Entretanto, apelámos através de carta endereçada às escolas, que os colegas, nas suas escolas e junto da tutela, façam urgentemente eco desta preocupação, tomando as providências julgadas necessárias para que o atual estatuto curricular da disciplina de EF não seja prejudicado. Solicitamo-vos igualmente que nos dêem conhecimento das posições que tomarem para os endereços eletrónicos institucionais do CNAPEF e da SPEF.

Com os nossos melhores cumprimentos,

Os presidentes das Direções do CNAPEF e da SPEF,

João Lourenço
Marcos Onofre

4 comentários:

  1. Boa noite

    Com respeito a este tema estou um pouco à vontade para falar! Sou funcionário na Escola 2,3 S. Julião da Barra (Oeiras), estando colocado no ginásio, posso afirmar o seguinte: Os alunos (do 5º ao 9º ano) tem 2 aulas de Ed. Física (uma de 90 minutos e outra de 45) por semana. Só que na realidade a aula é "sempre" inferior, porque os miúdos demoram sempre uma média de 10 minutos para se equiparem, e no final o professor tem que acabar a aula 5 a 10 minutos antes da hora, para tomarem banho!. Com respeito ao Desporto Escolar a nossa escola tem há vários anos "Jogo do Pau", se não for a única, é das poucas escolas no país a ensinar a modalidade, também por "carolice" do professor, que gosta de ensinar aos mais novos o que é "nosso". Infelizmente, segundo rumores, para o próximo ano lectivo, também querem acabar com a disciplina! Enfim, é o país que temos!

    Abraço.

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  2. A "Educação Física" como toda a "Educação" deve partir de casa, é aí que deve nascer e solidificar-se até o indivíduo fazer dela um modo de vida. O exercício físico é fundamental. A mensagem deve ser passada e posta em prática a partir de casa. Tal qual como outros bons e essenciais hábitos, como por exemplo hábitos de higiene. Não podemos nem devemos descartar para a escola o que a família e a sociedade em geral tem a obrigação de fazer (neste caso fomentar o gosto pelo desporto e prática de exercício físico).

    Mas como infelizmente a sociedade e as famílias estão longe do ideal, concordo em absoluto que a escola desempenhe um pouco o seu papel de educador, que ensina a importância de lavar os dentes ou de uma alimentação equilibrada, assim como informe da importância da prática do exercício físico e o demonstre na prática (em aulas).

    Nos primeiros anos escolares é fundamental que tudo isso seja matéria escolar. É fundamental que a criança tome conhecimento e tenha a possibilidade de experimentar desportos que nem sabia existirem.

    Mas... à medida que os anos passam, e o indivíduo vai talhando uma área que pretende seguir, sou da opinião até que a EF deixe de ser obrigatória, tal qual como o deixa de ser uma 2ª língua estrangeira por exemplo. Estou a falar do aluno que vai para o 10º ano e pretende por exemplo seguir Medicina. Se estou a dizer que a prática de uma "Educação Física" deixa de ser importante? Claro que não!!! Mas não como disciplina escolar, como "matéria" com que o aluno tenha de se dedicar e empenhar, e obter notas que vão contar para uma média de um curso que não tem nada a ver!

    Praticar exercício físico? SIM! Sempre! Mas esse hábito por essa altura, já deve fazer parte do indivíduo, não concordo nada que faça parte de uma disciplina escolar, quando o curso que se pretende seguir nada tem a ver!

    Resumindo: até ao 9º acho muito bem que exista, que se façam mais horas do que se fazem, e isso tudo (na tentativa de mostrar ao indivíduo o que existe, o que se faz, etc.etc.), mas a partir do 10º, para quem não pretende seguir a área, acho mesmo que não faz sentido nenhum! E o argumento de que é importante praticar exercício, é válido sim senhor, mas não é "obrigar" um miúdo de 16 ou 17 anos a praticar (e a ter boas notas!!!) que o vai cativar e motivar para que o exercício físico passe a fazer parte da sua postura e filosofia de vida. E supostamente é isso que se pretende para uma sociedade mais activa e mais saudável.

    Já a hipótese da EF não contar para nota, parece-me uma hipótese pior, já que se a disciplina for obrigatória, é para contar e para todos (os que têm boas notas na disciplina e os que têm más notas), o que eu acho é que a partir do 10º ano nem sequer devia ser obrigatória.

    Talvez a minha opinião seja polémica, e me caia em cima o Carmo e a Trindade, mas é de facto a minha opinião, que eu considero-a até muito bem ponderada e sensata.

    um beijinho Jorge

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  3. Para mim, o mais surpreendente (?) é a CONFAP (pais) alinhar neste projecto.


    Belo

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  4. O ensino da educação física é um problema que vem de muito longe. Recordo-me que no meu tempo os professores de educação física davam-nos uma bola e vão jogar. O caso mais caricato foi no que nós chamávamos 7º ano e agora é 11º (na altura era o último do liceu) onde o professor fazia isso, os rapazes jogavam futebol e as raparigas ficavam a discutir a telenovela com o professor (estavamos no início da invasão brasileira com Gabriela e por aí fora).

    A única excepção foi no 5º ano (actual 9º) onde tive uma porfessora muito nova, era o seu primeiro ano, e que foi a única a dar-nos educação física a sério. Cada conjunto de duas, três aulas era dedicada a um desporto. Primeiro estudávamos regras e técnicas e depois praticávamos. Foi, por exemplo, a única vez que fiz salto em altura.
    Reencontrei-a, passados cerca de 35 anos, como colaboradora do Troféu de Oeiras.

    Neste momento o caso torna-se mais bicudo pois no nosso tempo ainda passávamos o dia na rua sem parar. Hoje, a maior parte passa horas na Playstation e afins...

    Este é um importantíssimo problema de saúde para os nossos jovens e que não pode ficar esquecido!

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