sexta-feira, 11 de março de 2016

O APITO QUE VINHA LÁ DO SUL

À sua direita o eucaliptal frondoso, à esquerda erguendo-se num talude a linha de comboio, entre ambos um carreiro arenoso, algo irregular, aqui e além com seixos rolados.
Era uma fresca manhã, fria mas límpida sem uma nuvem no céu, estariam uns 5 graus de temperatura, o ar frio entrava-lhe pela boca, pelo nariz, enchia-lhe os pulmões e alma.
Tinha saído de casa ainda mal se adivinhavam os primeiros alvores do dia.
Gostava de sair assim cedo, e “nascer” com o nascimento do novo dia.
Corria feliz, liberto naquele carreiro. 
Lá na linha de comboio vem um possante comboio de mercadorias.
Na sua solidão de corredor fundo madrugador acena ao maquinista do comboio, que não consegue ver mas advinha-o na solidão do seu trabalho.
O mercadorias vêm do sul e traz-lhe ao pensamento esse Alentejo de Catarina Eufémia, das praças de jorna, de gente que nunca se vergou e sempre lutou. Esse Alentejo da Grândola Vila Morena cantada por Zeca Afonso.
E vêm-lhe à memória o Coliseu dos Recreios a cantar, de pé e em uníssono, a Grândola.
Mas como dizia ele acena ao maquinista e o maquinista responde com um forte e sonoro apito ferroviário.
Trocou-se assim um cumprimento bem pouco vulgar entre dois homens madrugadores e solitários, um por obrigatoriedade de trabalho outro por lazer e prazer puro.
Encheu-lhe a alma aquele forte e sonoro apito que vinha lá do sul, parecia que trazia cheiro a pão fresco, campos de trigo ondulando ao vento, o cante alentejano e uma tarde quente nas planícies lá sul.
Provavelmente também aquele aceno fez diferença em mais uma madrugada de trabalho, monótona e solitária, do maquinista que vinha lá do sul. Talvez tenha trazido algum calor humano e tenha feito alguma diferença em mais um dia de trabalho rotineiro.
Muito em breve o comboio que vinha lá do sul atravessaria o Tejo na nova ponte Rainha Dona Amélia, passaria a estar a norte do Tejo, chegaria ao Setil e ai faria agulha, ou na direcção de Lisboa ou então do Porto. Um pouco mais tarde chegaria aquele corredor madrugador e solitário a casa com a alma mais quente, na fria manhã ribatejana, com o calor que o mercadorias que veio lá do sul lhe trouxe.

12 comentários:

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    1. Obrigado!
      Um comentário vindo de Barcelona é mesmo muito especial!
      Boa maratona para todos!
      Um abraço.

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    1. Foi um inspiração que veio lá do sul!
      Um abraço desalinhado!

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  3. Venho cá amanhã ler, agora estou cansada, beijinho

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    1. Espero que tenha tido um bom descanso.
      Um beijinho Eugénia.

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  4. Tivesse eu um lugar de "Aplauso" lá no meu cantinho ias para lá direitinho ... Muito bom.
    Abraço

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  5. Digno de uma serie qualquer chamada "Amizades Improváveis" :) Mas que como Amizade que é, seja lá de que forma for, vale ouro e enriquece as nossas vidas.

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  6. Prometido é devido e como gostei de ler este poema em prosa mas, poema!...
    Já sabia que o Jorge tinha veia poética, este apito que vem do Alentejo até parece que o ouvi daqui, beijinho

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