terça-feira, 17 de dezembro de 2013

OH JORGE!

Desperto dos pesadelos de quem já está a dormir um pouco para além da hora habitual.
Ainda oiço passar uma velha motorizada Zundap que deve ter contribuído (felizmente) para o meu acordar deste sono agitado.
A minha mulher desperta com as minhas manobras para sair da cama e pergunta-me, meia estremunhada, está a chover? Respondo-lhe: Aqui não! Como raio hei-de eu saber se está a chover se acabei de acordar (ou melhor ainda nem sei bem se estou acordado), tenho as portadas da janela fechadas e não oiço nada?
Ainda meio zombie percorro o corredor e espreito pelos vidros da porta do quintal.
Sim, está a chover! Mas oculto essa informação à minha mulher (entretanto também deve ter voltado a adormecer) senão ela vai começar a dizer-me és doido! Vais correr a chover, constipas-te, etc.!
A chuva traz-me um brilho ao olhar e desperta-me de vez!
Há que redefinir estratégias a nível de equipamento (quem me mandou não ligar às previsões meteorológicas) e ir a um anexo no quintal buscar o impermeável (também conhecido por sauna ambulante!...) e uns calções.
Desculpem lá, calças de licra, camisola de manga comprida, corta-vento, gorro e luvas que hoje não é o vosso dia! Foi-se o frio, bem intenso, veio a chuva. Bem-vinda seja ela! 
Faço os parcos exercícios de flexibilidade, equipo-me com calções, T-Shirt, e impermeável, calço os sapatos e meto a mão de fora do telheiro de modo a colocar o GPS em cima do muro a apanhar o satélite. Desculpa rapaz, mas vais já para a chuva.
Ai vou eu! Ao passar debaixo do telheiro que dá acesso ao portão pego na última peça de equipamento, um boné que deve estar estendido no varal da roupa desde o verão!
Sim um boné para “enterrar” bem na cabeça, inclinar a pala bem para a frente, e por cima meter o capuz da sauna ambulante, desculpem-me, quer dizer do impermeável! É o meu para brisas, que isto de ser caixa de óculos tem que se lhe diga.
Começo a correr à chuva qual criança feliz a chapinhar nas poças.
Oiço o chape, chape dos sapatos no alcatrão molhado e vou feliz, tão feliz que nem ligo às queixas (crónicas) do meu joelho direito (está calado, pá!), nem a uma ligeira moínha no pé esquerdo que é novidade no meu vasto catálogo de mazelas!
Passo pela Graziela e digo-lhe bom dia e ela responde-me, da sua altivez de pedra, bom dia plebeu (um dia explico quem é esta personagem). Para ela tanto faz que faça chuva ou sol!
Mesmo no início da “descida da Casa Cadaval” alguém me diz, a caminho de mais um dia de trabalho: Oh Jorge! Está a chover...Apanhas uma molha! Ao que eu respondo em alto e bom som: É só água!... O que deixa o meu amigo sem palavras e com algo em que pensar antes de “ferrar” às 8:30.
Imagino a conversa com os colegas: encontrei o maluco do Jorge a correr, em calções, com esta chuva.
Enfim, teria mais uns pontos garantidos para o meu ranking de maluquice, aqui nesta terra, se não tivesse já atingido o máximo da escala!
Passo a curva do Palácio e entro no meu reino, a terra batida. Aqui, neste caso, um estradão de características algo arenosas.
Vou maravilhado, a chuva a bater no impermeável, o cheiro a terra molhada, as folhas doiradas no chão deste final de outono, o contornar as poças maiores, apetece-me dançar mas além de ter não dois mas sim três pés esquerdos o meu pobre esqueleto não permite coreografias especiais sob pena de se desmanchar todo. Só dá para correr! Mas não resisto a ensaiar algum balançar do corpo à chuva!
Coitado “pirou” de vez! O que vale é que aqui por assistência só tenho os pássaros!
Passo o que resta do portão da “Casa” e entro em terreno ligeiramente mais lamacento, sinto-me bem, divirto-me com as ligeiras escorregadelas que alguma falta de tracção provoca, sinto o terreno mais pesado, diferente mas, na minha condição de atleta lesma, vou com força, com garra e muito divertido.
Chega o pior do treino: a hora do retorno. Queria mais, muito mais! Mas estou em fase de míni treinos e não se pode abusar para não estragar tudo.
Retorno feliz a casa e triste por ter sido tão pouco.
Passo de novo pela Graziela e digo-lhe até amanhã! Acreditem ou não mas ela lá da sua altivez de pedra piscou-me o olho!
Passo o portão da minha casa e constato feliz que fiz menos 30 segundos na segunda metade do treino, por isso são mais 30 segundos para festejar a chuva!
Evito levantar os braços e festejar como se tivesse ganho a maratona dos Jogos Olímpicos porque cruzo-me com uma funcionária do Centro de Dia que vai “pegar” ao trabalho e tenho medo que de tanta fama de maluco ainda me mandem internar!

Abro o portão, chego debaixo do telheiro da porta de casa, constato que a minha mulher está na casa de banho e não resisto e solto o meu grito de guerra: POWER  MAN! ao que ela responde, como sempre, PALERMINHA!

12 comentários:

  1. Lindo este teu texto...parabéns. Conseguiste transpor toda a felicidade que sentiste com este treino para este texto...eu senti-a e fico feliz por isso. Este texto deveria ir direitinho para o destaque do UK, a sério!
    Grande abraço Jorge e muitas mais corridas felizes como esta, se possível mais longas.

    P.S. Podes não acreditar, mas este teu texto de hoje poderia ser quase 100% adaptado a mim....tb me levantei (tou de férias), ouvi a chuva, fui preparar o equipamento (tb usei a minha Sauna Ambulante) e sái por aí fora a correr como uma criança no Natal...e que bem que me soube.

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    1. Obrigado Carlos! Hoje fomos duas crianças, felizes, a corre à chuva! Forte abraço.

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  2. Adorei ler! Relato que nos transporta para a tua corrida. Fantástico.
    Continuação de tão boas corridas.
    Beijinhos

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  3. Texto maravilhoso!!!

    Parabéns Jorge... ou Power man!

    Um abraço e cumprimentos à Graziela :)

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  4. Sabe bem ser Palerminha de vez em quando...! :)

    Parabéns pelo texto! Adorei ler!

    Bons treinos!

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  5. Fiquei deslumbrada ao ler este texto.
    E o que seria de nós se não fossemos palerminhas em certos momentos da vida?! Afinal é isso que dá "graça" à vida. :)

    Beijinhos

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  6. Viva! Sou leitor deste Blog há algum tempo, que tenho já como leitura obrigatória.
    O presente texto traduz na perfeição o que passa no pensamento de um corredor amador quando insiste em correr quer faça sol ou chuva! Ainda ontem fiz o mesmo, à noite e à chuva...
    Continuação de bons momentos de corrida
    Paulo Oliveira

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    1. Muito obrigado amigo.
      Vou também ter todo o prazer em seguir o seu blogue que ainda não conhecia.
      Um abraço.

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