Desperto dos pesadelos de quem
já está a dormir um pouco para além da hora habitual.
Ainda oiço passar uma velha
motorizada Zundap que deve ter contribuído (felizmente) para o meu acordar
deste sono agitado.
A minha mulher desperta com as
minhas manobras para sair da cama e pergunta-me, meia estremunhada, está a
chover? Respondo-lhe: Aqui não! Como raio hei-de eu saber se está a chover se
acabei de acordar (ou melhor ainda nem sei bem se estou acordado), tenho as
portadas da janela fechadas e não oiço nada?
Ainda meio zombie percorro o
corredor e espreito pelos vidros da porta do quintal.
Sim, está a chover! Mas oculto
essa informação à minha mulher (entretanto também deve ter voltado a adormecer)
senão ela vai começar a dizer-me és doido! Vais correr a chover, constipas-te,
etc.!
A chuva traz-me um brilho ao
olhar e desperta-me de vez!
Há que redefinir estratégias a
nível de equipamento (quem me mandou não ligar às previsões meteorológicas) e
ir a um anexo no quintal buscar o impermeável (também conhecido por sauna
ambulante!...) e uns calções.
Desculpem lá, calças de licra,
camisola de manga comprida, corta-vento, gorro e luvas que hoje não é o vosso
dia! Foi-se o frio, bem intenso, veio a chuva. Bem-vinda seja ela!
Faço os parcos exercícios de flexibilidade,
equipo-me com calções, T-Shirt, e impermeável, calço os sapatos e meto a mão de
fora do telheiro de modo a colocar o GPS em cima do muro a apanhar o satélite.
Desculpa rapaz, mas vais já para a chuva.
Ai vou eu! Ao passar debaixo
do telheiro que dá acesso ao portão pego na última peça de equipamento, um boné
que deve estar estendido no varal da roupa desde o verão!
Sim um boné para “enterrar”
bem na cabeça, inclinar a pala bem para a frente, e por cima meter o capuz da
sauna ambulante, desculpem-me, quer dizer do impermeável! É o meu para brisas,
que isto de ser caixa de óculos tem que se lhe diga.
Começo a correr à chuva qual
criança feliz a chapinhar nas poças.
Oiço o chape, chape dos
sapatos no alcatrão molhado e vou feliz, tão feliz que nem ligo às queixas
(crónicas) do meu joelho direito (está calado, pá!), nem a uma ligeira moínha
no pé esquerdo que é novidade no meu vasto catálogo de mazelas!
Passo pela Graziela e digo-lhe
bom dia e ela responde-me, da sua altivez de pedra, bom dia plebeu (um dia
explico quem é esta personagem). Para ela tanto faz que faça chuva ou sol!
Mesmo no início da “descida da
Casa Cadaval” alguém me diz, a caminho de mais um dia de trabalho: Oh Jorge!
Está a chover...Apanhas uma molha! Ao que eu respondo em alto e bom som: É só
água!... O que deixa o meu amigo sem palavras e com algo em que pensar antes de
“ferrar” às 8:30.
Imagino a conversa com os
colegas: encontrei o maluco do Jorge a correr, em calções, com esta chuva.
Enfim, teria mais uns pontos
garantidos para o meu ranking de maluquice, aqui nesta terra, se não tivesse já
atingido o máximo da escala!
Passo a curva do Palácio e
entro no meu reino, a terra batida. Aqui, neste caso, um estradão de
características algo arenosas.
Vou maravilhado, a chuva a
bater no impermeável, o cheiro a terra molhada, as folhas doiradas no chão
deste final de outono, o contornar as poças maiores, apetece-me dançar mas além
de ter não dois mas sim três pés esquerdos o meu pobre esqueleto não permite
coreografias especiais sob pena de se desmanchar todo. Só dá para correr! Mas
não resisto a ensaiar algum balançar do corpo à chuva!
Coitado “pirou” de vez! O que
vale é que aqui por assistência só tenho os pássaros!
Passo o que resta do portão da
“Casa” e entro em terreno ligeiramente mais lamacento, sinto-me bem, divirto-me
com as ligeiras escorregadelas que alguma falta de tracção provoca, sinto o
terreno mais pesado, diferente mas, na minha condição de atleta lesma, vou com
força, com garra e muito divertido.
Chega o pior do treino: a hora
do retorno. Queria mais, muito mais! Mas estou em fase de míni treinos e não se
pode abusar para não estragar tudo.
Retorno feliz a casa e triste
por ter sido tão pouco.
Passo de novo pela Graziela e
digo-lhe até amanhã! Acreditem ou não mas ela lá da sua altivez de pedra
piscou-me o olho!
Passo o portão da minha casa e
constato feliz que fiz menos 30 segundos na segunda metade do treino, por isso
são mais 30 segundos para festejar a chuva!
Evito levantar os braços e
festejar como se tivesse ganho a maratona dos Jogos Olímpicos porque cruzo-me
com uma funcionária do Centro de Dia que vai “pegar” ao trabalho e tenho medo
que de tanta fama de maluco ainda me mandem internar!
Abro o portão, chego debaixo
do telheiro da porta de casa, constato que a minha mulher está na casa de banho
e não resisto e solto o meu grito de guerra: POWER MAN! ao que ela responde, como sempre,
PALERMINHA!
Lindo este teu texto...parabéns. Conseguiste transpor toda a felicidade que sentiste com este treino para este texto...eu senti-a e fico feliz por isso. Este texto deveria ir direitinho para o destaque do UK, a sério!
ResponderEliminarGrande abraço Jorge e muitas mais corridas felizes como esta, se possível mais longas.
P.S. Podes não acreditar, mas este teu texto de hoje poderia ser quase 100% adaptado a mim....tb me levantei (tou de férias), ouvi a chuva, fui preparar o equipamento (tb usei a minha Sauna Ambulante) e sái por aí fora a correr como uma criança no Natal...e que bem que me soube.
Obrigado Carlos! Hoje fomos duas crianças, felizes, a corre à chuva! Forte abraço.
EliminarAdorei ler! Relato que nos transporta para a tua corrida. Fantástico.
ResponderEliminarContinuação de tão boas corridas.
Beijinhos
Obrigado Isa.
EliminarBeijinhos
Texto maravilhoso!!!
ResponderEliminarParabéns Jorge... ou Power man!
Um abraço e cumprimentos à Graziela :)
Serão entregues :)
ResponderEliminarAbraço.
Sabe bem ser Palerminha de vez em quando...! :)
ResponderEliminarParabéns pelo texto! Adorei ler!
Bons treinos!
Se sabe amigo!...
EliminarUm abraço.
Fiquei deslumbrada ao ler este texto.
ResponderEliminarE o que seria de nós se não fossemos palerminhas em certos momentos da vida?! Afinal é isso que dá "graça" à vida. :)
Beijinhos
Obrigado Marta um beijinho.
ResponderEliminarViva! Sou leitor deste Blog há algum tempo, que tenho já como leitura obrigatória.
ResponderEliminarO presente texto traduz na perfeição o que passa no pensamento de um corredor amador quando insiste em correr quer faça sol ou chuva! Ainda ontem fiz o mesmo, à noite e à chuva...
Continuação de bons momentos de corrida
Paulo Oliveira
Muito obrigado amigo.
EliminarVou também ter todo o prazer em seguir o seu blogue que ainda não conhecia.
Um abraço.