Ando bastante afastado das
corridas com dorsal, por questões logísticas, económicas, de forma e até duma
certa filosofia de estar na corrida, razões que me têm remetido para as minhas corridinhas
aqui em solitário no meu Ribatejo adoptivo.
Mas há algumas provas que têm
uma mística especial para mim e que sempre faço questão de ir quando tal me é
possível!
A Corrida da Liberdade, entre
a Pontinha e os Restauradores, comemorativa dessa data maior da História de
Portugal que é o 25 de Abril, é uma dessas corridas com dorsal onde gosto de
marcar presença.
Este ano estive mesmo muito
hesitante em participar pois os tempos são sombrios e vontade de sair de casa
(para além das implicações orçamentais que isso tem) é muito pouca.
Mas em boa hora decidi alinhar
na Corrida da Liberdade: comemorar a correr a passagem dos 40 anos desse dia
radioso era realmente algo que não podia perder.
Se para quem corre no meio do
pelotão todas as provas são uma festa a Corrida da Liberdade é uma enorme festa!
Rever vários amigos e fazer a
prova com um grupo desses amigos foi mesmo muito especial!
Para falar da prova, ou melhor
da festa, basta ver a foto da chegada (gentilmente cedida pela Ana Pereira) e está tudo disto.
Outra prova em que faço sempre
questão de participar é a Corrida Internacional do Primeiro de Maio.
Este ano estava para mim fora
de questão alinhar na prova: não me sentia com a distância de 15 km devidamente
consolidada para a enfrentar numa prova e também achava irrealista fazer a
Corrida da Liberdade e a do Primeiro de Maio com um tão escasso tempo de
intervalo tendo em conta a minha forma (ou falta dela!) actual. Acontece que
gostei tanto de voltar a correr com dorsal, que gostei tanto de participar na
Corrida da Liberdade, que não resisti e inscrevi-me na Corrida Internacional do
1º de Maio no último dia em que tal era possível!
Lá fui outra vez rever amigos
e rever o estádio 1º de Maio onde tanto treinei e dei os meus primeiros passos
nesta já longa “má” vida de corredor de fundo (agora quase defunto!).
A “táctica” para o 1º de Maio era a mesma:
correr num grupo de amigos em andamento calmo e tranquilo de modo a levar os 15
km a bom porto!
Tudo correu dentro do previsto
até ao abastecimento nos Restauradores: andamento descontraído, amena
cavaqueira entre amigos.
No abastecimento dos
Restauradores afasto-me um pouco do meu grupo de amigos sem fazer nada por
isso, foi mais a maneira de abordar e despachar o abastecimento (despachar é
como quem diz porque levei a garrafa da água quase até à meta!).
Dou, então comigo atravessar o
Rossio, já afastado dos meus amigos e a entrar “sozinho” rua do Ouro.
Sinta-me bem, estava a gostar,
faz tempo que não tinha aquela sensação de correr em solitário comigo próprio
numa prova, de testar a “máquina” com um dorsal ao peito!
Deixei-me ir e comecei a gerir
a estratégia: para mim a parte da corrida na Baixa é sempre uma transição entre
a descida da Avenida da Liberdade, onde se tem de ter cuidado ou paga-se mais
tarde e a longa e monótona subida da Almirante Reis (ou para ser exacto da Rua
da Palma e Almirante Reis). Tentei assim estabilizar o “motor”, reencontrar o
andamento certo que se perdeu com a Avenida da Liberdade, enfim estabilizar
tudo para me lançar no maior desafio da prova ou seja o troço do Martim Moniz
ao Areeiro! Para mim chegar ao Areeiro é ter a prova feita.
Gosto de subir, antigamente
até subia bem. Em condições normais, numa prova corrida ao meu estilo, de trás
para a frente, a Almirante Reis até pode ser muito motivadora.
A última vez que fiz a prova,
em 2012, com a ajuda do grande mestre Joaquim Adelino faria um Almirante Reis
de “luxo”, sempre a “caçar” atletas que corriam na nossa frente.
Este ano a forma é
completamente diferente e as condições atmosféricas também. De um dia de chuva
em 2012 passamos para um dia de calor.
Foi pois uma Almirante Reis
muito mais sofrida que enfrentei este ano mas não menos determinado e mesmo
assim “caçando” vários atletas o que sempre ajuda a levantar o mural e
enfrentar a tormenta.
Quando chego à Alameda sinto
que só me falta enfrentar a subida para o Areeiro para ter a prova “feita”:
Aquela subida até pode ser ridícula para um pioneiro das provas de Trail em
Portugal mas para a forma actual, para os quilómetros que se tráz nas pernas
(em particular tendo em conta os poucos e curtos treinos longos) sempre se torna
algo complicado.
Mesmo no meio da Alameda ainda
levanto o punho e grito CGTP, CGTP e sou ovacionado pelas pessoas que assistem
à prova e preparam as coisas para o comício que vai decorrer da parte da tarde
(não gritei com a pujança de 2012 mas dei conta do recado!...).
Ataco a subida para o Areeiro em
passo miudinho mas consistente, divide-se aquilo em duas metas primeiro até aos
semáforos e depois o restante.
Estou na praça do Areeiro, nem
foi assim tão complicado, daqui para a frente entre em modo “zen”!
O pequeno troço da João XXI é
para estabilizar o “motor” e “descansar”!
Avenida de Roma! Longa Avenida
de Roma! vamos lá que está feito! Passada determinada, ultrapassando alguns
atletas mais novos e metendo-me com eles dizendo: já não tenho idade para isto!
Cruzamento da Estados Unidos:
visualizo mentalmente a espécie de quarteirão que ainda me falta fazer. A Praça
de Alvalade é mesmo já ali e como gosto daquela Praça em dia de Corrida
Internacional do Primeiro de Maio!
Desço para Praça de Alvalade!
Aquilo não desce quase nada? Quem diz isso é porque não fez esta prova e não
chega ali com forças para sentir o embalo da descida e começar a sentir o
“cheiro” do Estádio do Inatel!
Entro na Praça e viro para a
Avenida da Igreja, de repente lembro-me dos meus falecidos avós, de amigos meus,
corredores já falecidos e só não me vêm as lágrimas aos olhos porque estou seco
que nem uma palha!
Uma mistura de sentimentos
entre a tristeza da lembrança dos que já partiram e a alegria de estar ali,
vivo, bem vivo a um dia de completar 54 anos!
Mesmo no início da Avenida da
Igreja uma senhora bate-me palmas e eu retribui-lhe com palmas novamente (esta
barba branca ajuda à popularidade, devo parecer ter 300 anos! E o jeito de
correr, marreco e torto também contribui!). Então a senhora estende a mão e eu
não me faço rogado e retribuí-lhe com uma palmada. Sim, ver miúdos fazer isto
em provas em Portugal ainda se consegue, agora numa respeitável senhora da
minha geração era coisa que nunca pensei ver neste Portugal à beira mar
plantado! Finalmente alguém que sai fora do cinzentismo nacional e que sabe
apoiar e festejar uma prova! Lindo!
Estou na Avenida da Igreja,
acabo de receber palmas e trocar uma palmada com uma senhora que assiste à prova,
estou quase a chegar ao INATEL onde tanto treinei e tantos amigos fiz, estou
feliz, tão feliz!
Ninguém pára o Benfica! Sim
dizem isso para aí mas ninguém pára é o Jorge Branco! Vou lançado, a turbo,
meti a quinta e com ela entro na Avenida Rio de Janeiro. Finalmente despeço-me
da garrafa de água que me acompanhou desde os Restauradores!
O INATEL é já ali! Corro veloz
e comigo vão tantos amigos que comigo treinarem naquele estádio há 35 anos!
Comigo vai o senhor João,
aquele senhor já de certa idade que corria uma hora todos os dias para espanto
do jovem pretendente a corredor que andava a tentar correr 15 minutos seguidos.
Comigo vai o Tom, simpático
velhinho norte-americano (na casa dos 80 anos) de barbas brancas, que todos os
dias fazia a sua corridinhas; o Jacinto com as suas história mirabolantes; o
“Cerveja” que um dia andou a treinar na pista, a chover, com o guarda-chuva; o
saudoso”Doutor Niflux”; o Luís, carregado de impermeáveis, que na busca de
perder peso se candidatava era a uma bela desidratação; o inesquecível amigo
Fernando, da Segurança Social, que também já nos deixou; o professor Chiote,
que gostava de saltar barreiras imaginárias; a Sandra e o engenheiro Gonçalves;
o “comandante” Marcelino, que a correr parecia a Torre de Pisa, inclinada
sempre para o mesmo lado; o doutor Jorge Coelho, impenitente membro da academia
coimbrã, saudoso amigo que também já nos levaram; um ex jogador de futebol, e
massagista, Brasileiro que o tempo apagou o nome da minha memória; os amigos do
Roma; os amigos da IBM; as novas gerações entretanto aparecidas (José Carola e
os seus Patrícios), com quem ainda me cruzei. Enfim tantos e tantos amigos, a
“família” de corredores das 7 da manhã no início da década de 80 do INATEL.
Entro no Estádio e num ápice
piso aquela pista que conheci de cinza e em que não se podia treinar em dias de
chuva pois alagava!
Meia pista de felicidade e
está feita mais uma corrida do 1º de Maio.
Agora é só esperar o grupo de
amigos dos quais me separei nos Restauradores que estão mesmo a chegar,
despedir-me deles e ala para Santa Apolónia que o comboio está a partir, para
ver se lá para as 14 horas estou a dar ao dente, que ao domingo o comboio não é
de hora a hora e perdendo este não almoço antes das 4 da tarde!
Ó pá....lindo....um hino para qualquer corredor que se preze....não te vi correr, mas pelo que transcreves, consigo sentir a tua corrida, a "adrenalina", as tristezas mas essencialmente uma alegria imensa....há para aí muitos marmanjos que tem a mania que são campeões, que deviam era por os olhos neste texto....corrida é isto....grande Jorge, és um campeão e uma verdadeira enciclopédia viva da corrida em Portugal, apesar dos teus apenas 54 anos.
ResponderEliminarGrande abraço
P.S. Espero um dia ter a oportunidade de correr contigo e ouvir as tuas histórias do "antigamente" ;)
Obrigado Carlos Cardoso! O João Lima diz que eu sou exagerado mas tu é que exageraste nos comentários, elogiosos, ao texto!
ResponderEliminarTambém gostava de um dia fazer uma prova contigo mas só se tiveres paciência para ires tão lento, mas tão lento, que ainda adormeces pelo caminho! :)
Grande abraço.
sem problema nenhum...eu levo um pijaminha vestido e uma almofada :D
Eliminare quanto mais lento melhor...mais tempo tenho para ouvir as tuas histórias.
Vamos começar a pensar nisso...até me vem logo uma prova à cabeça e tu sabes qual é....vamos falando ;)
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EliminarParabéns amigo, comungo da mesma sintonia de pensamento por ter participado nestas duas provas, são emblemáticas e representam ao mesmo tempo a simbologia da luta que travamos diariamente, não foi por acaso que foram esta duas provas que me trouxeram de novo ás provas de estrada este ano, tal como o Jorge são acontecimentos aos quais fazemos tudo para não faltar e participar na Festa.
ResponderEliminarImagino o turbilhão de recordações naquela parte final da prova do 1º de Maio, também foi uma forma de ajudar a pular aqueles kms finais. Da minha parte guardo também as recordações de 2012 na subida da Almirante Reis, registada em vídeo, e que guardo com grande satisfação. Abraço, e vamos em frente.
Um grande abraço MESTRE e camarada Joaquim Adelino!
EliminarE aquela Almirante Reis de 2012 na sua companhia é algo que ficara para sempre na minha memória!
Excelente, muito muito bom! Grande texto e grande corrida! Grande Campeão! A tua descrição do Martim Moniz até ao 1º de Maio fez-me reviver a minha primeira maratona, em 2011, quando fazia esse percurso. Também fiquei com a impressão que da Alameda até ao Areeiro enfrentei uma verdadeira parede eheh Grande abraço.
ResponderEliminarObrigado Filipe! Já andei alguma coisa agora é mesmo liga dos últimos! Mas o gozo é correr de trás para a frente (ou de muito de trás e ligeiramente para frente he he he he) de modo a terminar com força e em crescendo ao contrário de quem lhe dá "gás" a mais no principio e no final se vai abaixo!
ResponderEliminarAbraço.
Bonito e emocionante texto Jorge.
ResponderEliminarFiquei agarrada ao ecran ao ler o relato da tua corrida 1º de Maio, esses sentimentos que tão bem transmites, até me arrepiei.
Foi com muita pena que não pude juntar-me a vocês na Corrida da Liberdade mas se tudo correr bem no próximo ano lá estaremos novamente. E até lá haverão outras aventuras onde nos podemos cruzar :)
Beijinhos e muito boas corridas
Obrigado Isa!
EliminarSim foi uma pena não poderes ter alinhado na Corrida da Liberdade mas o mais importante é que recuperaste bem do tombo!
A gente cruza-se por ai um dia destes.
Beijinho
(Nunca mais me vou esquecer do "abastecimento" que nos destes no final da prova...)
Lindo! Lindo! Lindo!
ResponderEliminarQuando acabei de ler, a primeira palavra que me veio à cabeça foi "hino" mas o Carlos Cardoso logo se antecipou com ela. Depois pensei escrever "Bonito e emocionante texto" e eis que a Isa também se antecipou.
Se me chamas exagerado quando digo estas palavras, das duas uma, ou somos todos exagerados ou és tu exagerado na modéstia! :)
Um grande abraço (e mantenho a esperança de te tornar a ver de dorsal, sabes bem em que corrida!!!)
Pronto não te chamo nada :) Só te chamo campeão!
ResponderEliminarPois sei e queres acabar com uma pobre Raposa Velha e Manca :)
Um abraço.
E o Jorge só fez então a bonita idade de 54 anos! Parabéns! Mas com essa barba e postura a correr (eu sei - por experiência própria - que não é nada fácil corrigir principalmente quando a forma é má e se sofre de inúmeras mazelas, dor aqui, dor ali e dor acolá) sempre pensei que tivesse BASTANTE mais idade... Mas lá está, as aparências iludem :) Interessa é que se sinta bem! E fez uma Corrida, uma não, duas! de forma muito jovem! Gostei do que transmite e é assim o efeito Corrida nas pessoas: com 15 anos, com 30 anos, com 50 anos, com 60 anos... e por aí fora! É, também por isso, uma forma de nos mantermos jovens! Pelas sensações vividas, pela alegria sentida, pela vivência na prova, no meio envolvente e dentro de nós! Como se fossemos meninos. É como me sinto quando corro. Beijinho Jorge
ResponderEliminarTinha 24 anos quando ao cortar a meta da Maratona de Torres Vedras alguém que assistia gritou: O VELHO VAI CHEIO DE FORÇA! Por isso estou habituado!
EliminarSe cortar a barba “rejuvenesço” uns anos valentes mas não me convêm nada porque assim pensam que sou um velhinho que ainda corre e não faço tão ma figura nas provas!
Só tenho medo é que daqui a uns anos pensem que sou uma múmia que fugiu de um sarcófago.
A maneira desarticulada de correr é que já não vai mudar! Aliás sempre corri um bocado assim mesmo quando andava alguma coisa!
Um beijinho “piquena minina”.
Para quem não tinha intenção de fazer a Corrida do 1º de Maio foi uma prova e tanto conforme pude ler! Um abraço, camarada Jorge.
ResponderEliminarObrigado camarada João Pedro.
EliminarA prova até nem me correu dentro do meu actual campeonato que é a "liga dos últimos".
Um abraço.
É a primeira vez que estou a ler o seu blog e que estreia! Parabéns Jorge, por levar as provas até ao fim com tanto estilo.
ResponderEliminarUm texto fascinante e muito emocionante. Até consegui visualizar a senhora a esticar a mão para a palmadinha, muito bonito. Deixa-me com pena ter emigrado e não poder participar nestas provas cujas datas têm tanto significado para mim.
Um abraço, fiquei fã deste blog. Ana
Seja muito bem vinda a este espaço Ana Marta!
ResponderEliminarMuito grato pelas suas palavras.
Infelizmente a emigração é o destino a que muitos Portugueses se viram forçados a recorrer devido as políticas que nos sufocam e destroem Portugal.
Tudo de bom para si e boas corridas.
Um abraço.
Parabéns pelo magnífico texto, Jorge!
ResponderEliminarE como também vivi esses tempos heróicos dos primórdios do INATEL / Estádio 1º de Maio, muito antes de existirem a piscina e o pavilhão, aliás onde está hoje a piscina existia uma acentuada descida que ainda provocou algumas quedas, vou só referir dois Amigos mais, entre tantos outros, com a particularidade de se fazerem maratonistas nesse período e a quem demos apoio em estreias na Maratona Spiridon.
O José Jorge, que ainda treinou, embora mais tarde, no INATEL, e que acabou por fazer um grande tempo na sua estreia, 2h44'!!!
E o Vítor Pinto que devido a problemas de coluna só queria treinar na pista de cinza e onde chegou a fazer um treino com a duração salvo erro 4 horas. Mas chegou pelo menos ao excelente 3h34'. Dois bons amigos que já não vemos há um ror de anos...
onde se lê descida leia-se rampa, porque tanto era utilizada na descida como na subida e era em serpentina...
ResponderEliminarCompanheiro/camarada da minha/nossa estrada
ResponderEliminarpor essas 2 participações e por este texto quero-te dar os meus parabéns, belo e sentido texto que engrandece a nossa blogosfera corredora, tenho para mim que temos uma blogsfera que fala de corrida de grande nível e textos como este só me faz ter uma vez mais essa certeza.
Força companheiro,
Abraço
Muito obrigado António Almeida e um grande abraço.
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