Por: Egas Branco
ROSA MOTA
Foi nos anos 80 do século XX que a nossa campeã começou
verdadeiramente a tornar-se uma grande atleta, a caminho de ser a melhor maratonista
de sempre até à sua altura. Lembro-me da tarde em que, inesperadamente, porque
poucos o julgariam possível, Rosa Mota em Atenas, nos Campeonatos Europeus de
Atletismo, cometeu a grande proeza de vencer destacada a maratona. Quando a
televisão, na altura apenas o canal público, nos mostrou Rosa à frente foi uma
emoção, enorme quando a vimos entrar isolada no Estádio Olímpico.
Foi uma das maiores emoções porque passámos a ver televisão. Por
tudo: porque os êxitos dos portugueses nas grandes competições desportivas,
fora dos desportos de elite, praticados apenas pelas classes até então
favorecidas (o hipismo, a vela e pouco mais) serem inexistentes, e principalmente,
talvez, pela enorme simplicidade da atleta portuguesa que, a despeito de todos
os triunfos e glórias, que foram até ao ouro olímpico, se manteve sempre inalterada
ao longo de toda a sua carreira e depois dela terminada. Privilégio dos muito
grandes, na sua actividade e na sua humanidade.
Por essa época Rosa continuava a apoiar a Corrida para Todos,
ainda na sua fase inicial de crescimento, que desabrochou verdadeiramente
durante e após a Revolução de Abril. Conservamos o seu autógrafo, obtido no
final de uma prova em que se promovia também a construção da primeira pista de
tartan no Porto, cidade natal de Rosa!
GRETE WAITZ
Tínhamos por ela uma admiração enorme, que se foi consolidando
ao longo da vida, pela grande maratonista norueguesa, que demonstrou que a
maratona poderia ser corrida com grande sucesso pelas mulheres.
Desde sempre fui contra toda a discriminação, no Desporto
também. Por isso admiro os discriminados que não aceitam a discriminação e
contra ela lutam. Grete fê-lo e juntamente com o seu amigo Fred Lebow ajudou a
lançar a maratona de Nova Iorque, que Fred havia criado do nada, e em que
participou e venceu várias vezes.
Foi com ela que Fred correu a sua última maratona, em casa, já
muito doente vindo a falecer pouco depois. Sendo comovente a fotografia que
ambos deixaram para a posterioridade, terminando fraternalmente abraçados
aquela famosa corrida.
Grete, também ela viria a ser atacada pelo cancro anos mais
tarde e não resistiria à terrível enfermidade. Mas a sua imagem e determinação
permanece para todos os que amam a Vida, no que ela tem de melhor e mais digno,
no comportamento social e na mais importante das coisas secundárias, na célebre
frase do Dr. Turblin, médico, estudioso do comportamento corpo humano em
esforços prolongados, amante do Desporto, que segundo ele é justamente a
actividade desportiva.
PAULA RADCLIFFE
Ainda continua a ser a recordista mundial da maratona (ou, se
preferirem, detentora dos melhores tempos de sempre) em prova exclusivamente
feminina ou em prova mista.
No entanto quando a vimos correr pela primeira vez, no Estádio
1º de Maio, em Lisboa, num meeting internacional, ainda era uma ilustre
desconhecida. Mas nessa tarde venceu sem apelo nem agravo as estrelas do
momento nos 10.000 metros, incluindo a que viria a ser uma das nossas campeãs
olímpicas, Fernanda Ribeiro, se não me falha a memória. Desde o início da prova
reparámos na atleta e calculámos que iria ser muito difícil às estrelas vencê-la.
Não esqueceremos o seu estilo muito particular, abanando a
cabeça ao ritmo da competição, que haveria de se manter ao longo de toda a
carreira, dando-lhe grandes triunfos.
Muitos anos mais tarde, quando já admirávamos esta grande campeã
pelos seus extraordinários resultados e principalmente pelo espírito desportivo
que demonstrava, assistimos pela TV ao seu trágico falhanço nos Jogos Olímpicos
de Pequim, quando, por indisposição, teve que parar e não mais conseguiu
recuperar. Outros teriam desistido. No entanto, como extraordinária desportista
que era, embora superfavorita da maratona, não desistiu e concluiu num, para
ela modestíssimo lugar. Depois seria mãe e voltaria aos grandes triunfos, como
na maratona de Nova Iorque, para grande alegria dos seus admiradores, entre os
quais modestamente me incluía.
RITA BORRALHO
Esta magnífica atleta que nos habituámos a admirar pelas suas
frequentes participações ou apoios às provas para todos, foi-nos dando motivos
de satisfação pelos resultados obtidos ao longo da sua carreira, nomeadamente e
mais uma vez, na maratona, onde foi atleta de topo.
Mas há um momento muito saboroso da sua carreira que nunca
esqueceremos. Ia disputar-se em Lisboa, na impecável pista de relva no Estádio
Nacional, hoje do Jamor, expressamente preparada para o evento, o Campeonato
Mundial de Cross, que o campeoníssimo Carlos Lopes haveria de vencer, deixando
para trás os campeões africanos, já então a dominar grande parte das
competições internacionais. Cada uma das equipas estrangeiras era acompanhada
por um atleta português, também em treino. A Rita Borralho coube uma equipa dos
países árabes mais fundamentalistas, talvez a Arábia Saudita, tanto quanto me
recordo. Os atletas dessa equipa começaram por achar descabido serem
acompanhados por uma mulher, ser que para eles era considerado com menos
capacidade. E a Rita haveria de conduzi-los em treino até ao hotel onde se
encontravam alojados. Conta-se que a atleta sabendo das discriminações de que
eram (e ainda são) vítimas as mulheres naquele e noutros países de governo
semelhante, resolveu dar-lhes uma lição, acelerando o andamento e puxando por
eles, modestos atletas de segundo ou terceiro plano internacional. Não querendo
dar parte de fracos seguiram "a deitar os bofes pela boca" atrás da
nossa campeã. Quando se soube cá fora da história a risada foi geral (e também
a satisfação pela lição dada).
Numa nota pessoal: cheguei a treinar naquela belíssimo tapete de
relva, o melhor em que corri em toda a vida, assim que a pista foi aberta
depois do Mundial. Infelizmente, meses depois, sem manutenção, voltou a
transformar-se no nosso velho percurso de cross, de lama e terra batida
irregular, com alguns tufos de erva, às vezes percorrido por um frio gélido,
onde durante tantos anos treinámos, de inverno a inverno.
AURORA CUNHA
Lembradas a Rosa e a Rita mal pareceria se não se citasse a
Aurora. Trio inesquecível, daqueles anos, que muito admirávamos.
Nunca nos deixámos influenciar pelas tricas inventadas e
fomentadas pelo mau jornalismo que também existia naqueles tempos saídos da
Revolução de Abril, e que nesse aspecto não é diferente do actual, agora até
bem pior por nos faltarem jornalistas desportivos da dimensão de um Carlos
Pinhão, de um Homero Serpa, de um Carlos Miranda, e outros, que obviamente não
teriam lugar nos medíocres pasquins actuais à correio da manhã, que se estendem,
no estilo, ao jornalismo desportivo.
Aurora, já retirada,
continua no entanto a ser alguém que aparece muito e colabora nas provas no seu
Porto e Norte. O que nos causa sempre uma grande satisfação, lembrando a grande
atleta que foi.
ALBERTINA DIAS
Pela elegância do seu estilo sobressaía nas provas portuguesas.
Em pouco tempo tornou-se uma das atletas portuguesas mais destacadas pela sua
qualidade, num tempo em que o atletismo, principalmente na disciplina de fundo,
se tornava um dos principais no nosso País. Mas foi no País Basco que se
tornaria Campeã Mundial de Cross, prova que seguimos em directo através da TV.
Não admirou também que nas suas incursões na maratona obtivesse
um dos melhores tempos de sempre, o segundo melhor de sempre entre as atletas
portuguesas.
Algumas vezes nos cruzámos com ela, na Corrida da Festa do
Avante, na Atalaia, quando Albertina Dias, vencedora feminina, terminada a sua
prova, vinha rebocar algum atleta amigo que ainda não havia chegado. Sempre com
um sorriso fraterno e de grande simplicidade da enorme atleta que era.
Algumas infelicidades na sua vida pessoal e familiar
encurtaram-lhe uma carreira que poderia ter sido ainda mais brilhante. Mas,
para nós, é inesquecível. Ainda nos cruzaríamos com ela nas competições de
montanha, mas estávamos já no final das nossas participações, continuando ela a
atrair a atenção pelo seu estilo elegante inconfundível.
CARLA SACRAMENTO
Uma das nossas, e não só, maiores especialistas de meio-fundo de
sempre. Vários títulos mundiais e participações olímpicas brilhantes.
As suas participações em Provas para Todos mostraram a sua
postura humana e desportiva, nunca se arvorando em grande estrela.
Recordamos, por exemplo, a sua participação numa prova de milha,
aberta a todos, disputada entre a Avenida da Liberdade e da República, que
obviamente venceu.
Também na Corrida da Festa do Avante participou algumas vezes e
era com grande admiração e satisfação que a víamos em fraternal convívio no
final daquela famosa corrida, a mais participada das que abrem a época
desportiva, no primeiro domingo de Setembro.
JOAQUINA FLORES
Começou tarde, já veterana, vindo a tornar-se no entanto numa
das atletas mais medalhadas internacionalmente, em europeus e mundiais para
veteranos.
A sua simplicidade e alegria tornavam-se contagiantes nos grandes
pelotões de alguns milhares de atletas. Dizíamos com razão que ela era a atleta
mais popular entre aquelas centenas ou milhares de atletas presentes.
Assisti no entanto a alguns dos seus treinos iniciais, quando
era apenas uma principiante. No Estádio 1º de Maio, em Lisboa, tentando cumprir
à risca o plano e as orientações traçadas pelo seu irmão, Dinis, também atleta
veterano de muito bom nível. Não fosse ele zangar-se com a mana, por ela não
cumprir o plano estabelecido, a que não faltavam a partir de certa altura as
famosas séries.
Escusado será dizer que os dois manos e a respectiva família nunca
faltavam às clássicas, incluindo as míticas Corrida do 1º de Maio e Corrida da
Festa do Avante.
ANALICE SILVA
A primeira vez que participei e assisti a uma prova com esta
inesquecível atleta, brasileira de nascimento mas há muitos anos radicada em
Portugal, foi no Algarve, nas célebres e saudosas 12 Horas de Vila Real de
Santo António, onde fui ainda nos meados dos anos 80 acompanhar e apoiar o meu
sobrinho Jorge Branco. A Analice concluiria no top 10, pouco depois do Jorge, que
seria 5º e também com mais de 100 km percorridos.
A partir daí acompanhámos com muito interesse e simpatia a sua
actividade, cada vez mais virada para as grandes distâncias, da maratona à
ultra-maratona e depois os 100 km e até mais, provocando a admiração de todos
pela sua invulgar resistência física, para mais num pequeno e franzino corpo.
Parecia indestrutível, mesmo quando a certa altura nos provocou
um susto, interrompendo a actividade desportiva sem aviso, correndo até o boato
de que nos teria deixado.
Mas felizmente voltou, melhor do que nunca e rara era a clássica
onde não estivesse presente e aumentando cada vez mais a quilometragem
percorrida mensalmente. Posso afirmar que foi a atleta que mais fotografei
porque a pergunta entre nós era quase sempre: "A Analice já passou?"
Até um dia, em que a terrível enfermidade, sempre ela, lhe bateu
á porta. Pensámos que a Analice, com o seu espírito indomável, iria resistir e
vencer mais uma vez. Não aconteceu assim. Deixou-nos para grande pesar nosso
mas julgo que nenhum dos muitos corredores, anónimos ou não, do grande pelotão,
que tiveram o privilégio de a conhecer a irá esquecer algum dia.
E DUAS MULHERES NA ORGANIZAÇÃO: LUCINDA MATIAS E MARIA MACHADO
(DIDI)
Mas a organização não podia faltar! E, como se costuma dizer,
por trás de grandes homens há quase sempre grandes mulheres, trata-se das
companheiras de dois dos grandes iniciadores e criadores da Corrida para Todos,
no nosso País: em estrada, o professor Mário Machado e no trail (então
designado montanha) o professor António Matias.
Ambos atletas de excelente nível que, sem deixarem de correr,
sendo professores de educação física se dedicaram à organização de corridas,
com dois famosos troféus precursores de tudo o que surgiu depois - Troféu
Spiridon, para a estrada, indo até à meia-maratona e maratona, e Troféu Terras
de Aventura, para a montanha (trail). E Lucinda Matias e a professora Maria
Machado (Didi), estiveram sempre nas organizações, num apoio inexcedível.
As nossas memórias, dada a nossa grande participação durante
alguns anos nessas competições, são muitas. Mas há um momento, em especial, que
nunca poderei esquecer, quando atravessei um dos momentos mais angustiantes da minha
participação na corrida a pé, em montanha, com todas as suas dificuldades e até
perigos, com a falta de oxigenação também a contribuir, e em que tive o apoio,
hoje dir-se-ia psicológico, da Lucinda Matias e também obviamente do António
Matias, como responsável pela organização, Tudo, no entanto, se resolveu rapidamente,
mostrando como funcionava bem a organização daquelas provas nos tempos heróicos
dos início do Trail/Montanha. Por razões pessoais não me vou alongar mais mas
ficando apenas o registo do gesto fraterno e amigo.
Nota: Quase todas as fotos
foram retiradas da Net.
Obrigado Jorge por me incluires, humildemente, espero ter contribuido, de alguma forma, para as vossas formas físicas e forças de espírito.Temos-nos divertido, com algumas boas histórias para contar...
ResponderEliminarLu fazes parte integrante da história das provas da montanha / Trail em Portugal. Muitos dos belos "empenos" que apanhamos tiveram a tua preciosa colaboração!
ResponderEliminarUm beijinho.
Chegaram-me por e-mail alguns comentários que tenho pena que não tivessem vindo por aqui. Transcrevo um deles porque clarifica o meu despretensioso texto.
ResponderEliminar"Caro Amigo Egas:
Muito obrigado pela partilha. :)
Reparei que não incluiu no seu artigo duas corredoras de primeiro plano: Manuela Machado e Fernanda Ribeiro. Escaparam-lhe ou optou por deixá-las de fora?
Cordialmente,
Álvaro"
A que respondi:
EVB Branco
19:36 (há 20 horas)
para Álvaro
Caro Amigo,
São também duas grandes atletas, tal como a Conceição Ferreira por exemplo, que muito apreciava e ainda há outras, mas não pretendi fazer uma lista exaustiva e sim falar das atletas que por um motivo ou outro me impressionaram mais. (em determinados momentos)
É o inconveniente deste tipo de artigos em sempre fica alguém de fora. Como atletas e mulheres têm toda a minha consideração e simpatia.
Também no mundo da corrida para todos haveria mais quase uma dúzia de atletas que conheci pessoalmente e que poderia citar.
Fraterno abraço
Egas