Por: Egas Branco
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"EU É QUE SOU O PRIMEIRO" (LINE), de ISRAEL HOROWITZ (Wakefield,
Massachusetts, EUA, 1939).
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“Uma peça estreada em 1967, num teatro de Nova
Iorque.
Encenação de Armando Caldas, para o Intervalo Grupo de Teatro, sediado em Linda-a-Velha. Estreada no final da semana passada (31 de Janeiro).
Encenação de Armando Caldas, para o Intervalo Grupo de Teatro, sediado em Linda-a-Velha. Estreada no final da semana passada (31 de Janeiro).
Só uma
pequena nota sobre esta peça, grande sucesso de público, em Nova-Iorque,
Londres, Paris e eventualmente outros locais, que sob uma aparente facilidade
de escrita e meios contem no entanto uma severa crítica a um "way of
life", em que o que interessa é vencer, não interessa como e quantas
vítimas se vão deixando pelo caminho.
Tudo dito de uma forma por vezes muito cómica mas que nos deixa espaço para uma reflexão.
Tudo dito de uma forma por vezes muito cómica mas que nos deixa espaço para uma reflexão.
E
terminando à boa maneira do Intervalo com uma canção síntese (Luís Macedo e
Fernando Tavares Marques).
Não
percam! Depois direi mais alguma coisa sobre as reflexões que a visão desta
peça me suscitou.”
(nota
para os amigos facebookianos, publicada em 3-fev-2014)
*
Para nós, que gostamos muito de Teatro, este
autor tem todavia outros fortes motivos de ligação connosco. Um deles é que é um praticante da modalidade desportiva que ao
longo da nossa vida mais apreciámos, que é a corrida a pé de longa distância
(entre os 10 e os 100 km).
Mas vai ainda mais longe porque casou com uma
maratonista campeã, a britânica Gillian Pamela Horowitz, várias vezes no pódio
- em Tóquio, Londres, Paris (que venceu em 1980, com 2h49’42”, belo tempo na
época) e muitas vezes nos 10 primeiros, além de ter sido campeã do seu país.
Mas não termina aqui esta sua relação com a
corrida. É que adaptou uma peça de um reconhecido dramaturgo italiano, Edoardo
Erba, aliás de grande sucesso, “Maratona de Nova Iorque”, de 1992, cujos
personagens são dois amigos que treinam para fazer aquela maratona. A peça
recebeu o reputado prémio italiano Candoni, em 1993.
“LINE” (EU É QUE SOU O PRIMEIRO), que agora foi
encenada no INTERVALO GRUPO DE TEATRO, é no entanto bastante mais antiga
(1967).
Digo isto porque existe no mundo da corrida a
opinião, ainda maioritária suponho, de que o que interessa é acima de tudo
participar, terminar, competir sem batota (não encurtando caminho ou viajando
de metro), sentimento que se estende até a muitos atletas de alta competição,
até a super-campeões, como é o caso da actual detentora do ainda melhor tempo
mundial feminino da maratona, a competição dos míticos 42,195 km (que vem desde
o início das Olimpíadas, nascidas na Grécia).
Trata-se também de uma atleta britânica, a
inglesa Paula Radcliffe, com o fantástico tempo para uma mulher de 2h15’25”, e
que toda a gente que gosta deste desporto, recorda que numa maratona olímpica
(Pequim, 2008), em que estando em sérias dificuldades físicas, por
indisposição, preferiu perder alguns lugares e chegar modestamente (23ª), a
abandonar a competição, num exemplo de desportivismo difícil de superar. Ou os
que, perante um companheiro em dificuldades não hesitam em perder segundos para
o ajudar.
Esta atitude começa no entanto, nos tempos
actuais, a tornar-se mais rara, porque aquilo que Israel Horowitz critica nesta
sua magnífica peça, agora em cena num dos nossos palcos de eleição, ou seja a
“competitividade” (termo detestável), cega e desumana, que grassa no seio da
sociedade capitalista em que vivemos, tende a atingir até um desporto de massas,
como é este de que tanto gostamos.
Enganar, derrubar, trair, passaram a ser
considerados passos aceitáveis no caminho de um qualquer sucesso social.
Explorar o próximo, derrubá-lo para o ultrapassar, deixaram de constituir
entraves morais para muitos, incapazes de raciocinar por si próprios.
“Mérito” da comunicação que temos, que invade
as casas, da escola que pretendem que tenhamos, para deformar os jovens à medida
das necessidades do sistema social vigente.
Eis o que Horowitz nos faz pensar através da
sua comédia, absurda porque não há uma referência directa à realidade, a sua
linha pode ser qualquer coisa. Ao estilo dos seus amigos pessoais, Ionesco e
Beckett, Horowitz traça um retrato das relações humanas na sociedade
capitalista modelo que é o seu país natal, os EUA (em 1967, porque depois têm
vindo a piorar...). Até mesmo as
relações entre os sexos tendem a mercantilizar-se, como o denunciam tantos
artistas contemporâneos, mas que Horowitz já aqui mostra, uma vez mais pelo
absurdo.
Através de um texto muito vivo, numa linguagem
quase vulgar, às vezes muito rude, Horowitz e o seu encenador Armando Caldas,
prendem-nos a esta intriga, que se desenrola num cenário minimalista, em que o
único adereço é uma linha branca, que todos pretendem ultrapassar, recorrendo a
todos os truques sujos e que no final será retirada pelo “vencedor”.
Uma citação aos actores, excelentes, João José
Castro, Miguel Almeida, Cristina Miranda, João Pinho e Fernando Tavares
Marques.
Por favor não percam.
*
Adenda: compreendo a t-shirt de Israel Horowitz
(ver foto que obtive na Internet). Eu também teria provavelmente votado assim
naquelas eleições, mesmo prevendo as desilusões a curto prazo. Mas sempre foi
uma pedrada no charco daquela sociedade de um
ainda muito forte racismo!
Egas Branco
Excelente texto, Egas.
ResponderEliminar"em que o que interessa é vencer, não interessa como e quantas vítimas se vão deixando pelo caminho"
O que esta frase me levaria a dizer das coisas que se passam no mundo do trabalho...
Felizmente que no nosso desporto de eleição continuam a existir muitos e bons casos do mais puro desportivismo. E alguns em pessoal bem jovem, fazendo-nos crer que há esperança.
Uma última palavra a Paula Radcliffe, uma campeã em todos os sentidos!
Um abraço!