A 7 de Setembro de 1996 teve
lugar uma prova, do hoje designado trail, que ficaria na história da corrida, e
das provas de montanha em Portugal.
O normal seria escrever a 7
Setembro de 1996, teve lugar em Portugal... mas não é verdade pois a referida
prova realizou-se em Espanha!
Como é que uma prova em
Espanha pode ter ficado na história da corrida em Portugal?!
Podemos começar por adiantar
que na referida prova não participou um único atleta espanhol e que a
organização era 100% portuguesa!
Como é que uma prova
portuguesa é disputada em Espanha? Confusos? Muito provavelmente para quem não
viveu a situação, ou teve conhecimento da história, isto que estamos a escrever
não tem nexo nenhum!
Se para muitos dos atletas que
participaram naquela prova foi a sua internacionalização forçada e se ficaram
na história por fazerem uma prova dentro de parâmetros absolutamente anormais e
únicos o motivo que levou uma prova portuguesa para Espanha, nomeadamente em terras
galegas não é nada agradável e em nada abona as autoridades que na altura
provocaram a situação.
O Circuito Mineiro do Gerês,
prova integrada no DESAFIO 96 (Um conjunto de Provas de Trail cuja a
organização, pelo segundo ano, pertencia ao Terras de Aventura e que começava a
desbravar caminho na implantação dessa fascinante modalidade da corrida em
Portugal) tinha a partida marcada para as 16 horas de 7 de Setembro, na Portela
do Homem, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Acontece que as autoridades
responsáveis pela autorização da prova consideraram que a mesma era nociva para
o referido parque, quando essas mesmas autoridades apoiavam e patrocinavam
passeios de viaturas todo-o-terreno na área da sua jurisdição.
Face a este impedimento,
surgido na véspera da prova, a solução foi pedir autorização as autoridades
espanholas, que não só, imediatamente, autorizaram a prova como deram apoio no
local da partida e durante o percurso que acabou por ser corrido todo em
Espanha!
Sobre este assunto reproduzimos
em imagem o que foi escrito no Boletim da Montanha na altura.
Para quem estava dentro dos
meandros do percurso que a organização tinha imaginado esta proibição ainda foi
mais frustrante,
Os organizadores pretendiam
fazer algo de perfeitamente inédito ou seja um percurso circular, em que na
partida era dada a possibilidade de escolher o sentido em que se queria
efectuar a mesma!
Ou seja, seria uma partida de
atletas costas com costas, em que uns optariam por começar a prova a descer e
outros a subir, consoante considerassem adaptar-se melhor às suas
características!
*
Do ponto de vista estritamente
pessoal vivemos um dos mais belos, fascinantes e alucinantes fins-de-semana
ligados com o nosso desporto preferido!
Um fim-de-semana em que até
ameaçado de prisão fui!
Tudo começou com a partida
aqui de Muge, em transportes públicos, para a Portela do Homem, bem lá
encostada a Espanha.
Eram tempos em que se
conseguia efectuar tal viagem a partir de casa sem problema nenhum, coisa que
hoje seria impossível, o que prova que o futuro nem sempre trás progresso mas
às vezes retrocesso, como acontece quando se desinveste no transporte público.
Apanhámos a velhinha
automotora, em direcção a Santarém, o comboio para Braga, uma camioneta para a
Portela do Homem e depois de uma ligeira caminhada estávamos no Parque de Campismo, onde seria a base logística da
Prova.
Chegámos ao Parque na tarde de
sexta-feira e a prova realizava-se no sábado, da parte da tarde.
Montámos a tenda e aguardámos
a chegada do Professor António Matias, que era o responsável pela prova.
Ele chegaria no final da tarde
e o resto do dia e noite seria passado em tarefas organizativas, para além de
um belo e reforçado jantar, que seria a última refeição decente que comeríamos
antes do jantar de domingo em casa (mas já lá vamos)!
Acabámos o trabalho já
passava, da meia-noite, sentados à porta do parque de campismo a meter dorsais
em envelopes, isto porque o bar entretanto fechou e tivemos de abandonar o
mesmo.
Sábado da parte da manhã seria
para resolver o imbróglio causado pelas autoridades portuguesas, e tratar do
assunto junto dos espanhóis, marcando o percurso em terras de Espanha e foi a
minha estreia a colocar fitas!
Como não havia tempo para
almoçar, nem convinha comer muito, que a prova era as 16 horas, socorri-me do
muesli sobrante do pequeno-almoço e algumas bolachas e aqui comecei a minha
“dieta” até ao jantar de domingo!
Depois de almoço seria a
entrega dos dorsais, na qual também participei até ser substituído na tarefa
para me equipar a fim de ir fazer a prova (sim também fiz a prova!).
Mas no meio de tudo isto ainda
fui ameaçado de prisão pelas autoridades portuguesas (seria a antiga Guarda
Fiscal? Não me lembro). Quando cometi o “crime” de estar de guarda à tenda (um
daqueles toldos de jardim, de montar e desmontar, que se compram nos
hipermercados) onde a organização iria dar os dorsais.
Essa dita tenda estava
colocada quase em cima da linha de fronteira (senão mesmo em cima) porque numa
terra de ninguém poderia dar menos problemas, mas mesmo assim até me ameaçaram
de contactar as autoridades espanholas!
Fazendo ouvidos de mercador e
afirmando que não era responsável pela prova lá me aguentei, eu e a tenda, e
não fui detido, conseguindo alinhar na prova!
A prova em si não teve
historia tirando o facto de que me correu particularmente bem, no ano em que
melhor corri em provas de trail.
Depois foi desequipar-me na
parte de trás do histórico jipe UMM da organização, enquanto na frente
elaboravam a classificação!
Dali vim de boleia para Gaia,
com a organização, e de lá de comboio (daqueles que levavam a noite toda) para
Lisboa.
Na hora que cheguei a Gaia
estava tudo fechado e o meu “jantar” foram duas latas de uma bebida à base de
chá, obtidas numa daquelas máquinas automáticas.
Em Lisboa tinha encontro
marcado com o meu tio, em Santa Apolónia e rumámos para a Corrida da Festa do
Avante!
Ele fez a prova e eu distribuí
folhetos da Corrida do Monge, outra prova do DESAFIO 96 e simbolicamente
trocámos de camisolas, a que trouxe do Gerês com a que ele ganhou no Avante!
Note-se que vim do Gerês
carregado que nem um burro, pois para além do saco cama, tenda, equipamento
etc., trazia os folhetos para distribuir e o “diploma” que tinha ganho na
TRANSESTRELA, ou seja uma “bruta” pedra, pesada como tudo.
Na Festa do Avante “almocei”
uma bifana e ala para casa, que na segunda-feira era dia de trabalho (o patrão
até me tinha dado a sexta-feira para poder fazer a prova).
Foi um fim-de-semana
fantástico!
Muito gosto eu das histórias históricas deste nosso desporto, e esta é mais uma magistral, escrita por quem esteve tão dentro que participou nos dois lados (atleta e organização).
ResponderEliminarJá ouvi várias formas de corrida (inclusive algumas bem disparatadas e que apenas se utilizam do termo corrida como chamariz), mas nunca tinha ouvido essa da corrida circular onde se escolhia o sentido inicial, e achei-a uma ideia brilhante! No fundo, a distância e o percurso são os mesmos apenas o sentido difere, ficando todos em pé de igualdade. Ora aí está uma boa ideia a retomar em eventuais provas que assim o permitam.
Obrigado por esta partilha
Um abraço!
Na altura foi uma enorme frustração não conseguir por a ideia do percurso em prática!
EliminarPode ser que algum dia alguém pegue na ideia.
Um abraço.
Obrigado pela partilha de mais um pouco de história dos primórdios da corrida de montanha em Portugal (neste caso em Espanha). Adorei, ainda por cima contado por alguém que esteve bem por dentro (aliás tão por dentro que quase ia "dentro").
ResponderEliminarVenham mais destas....
Grande abraço Jorge
Amigo Carlos Cardoso o que eu me ri com essa de tão por dentro que quase ia "dentro" :)
ResponderEliminarUm abraço.
Participei nesta corrida, juntamente com o meu amigo João (P. Varzim) e que gozo deu participar nesta corrida de montanha, hoje trail, com 25 kms e no final tomar banho na famosa lagoa de aguas verdes. De lamentável apenas o facto de a corrida se ter desenrolado do lado espanhol. por falta de visão e tacanhez, dos responsáveis da Parque Nacional da Peneda Gerês, ao não permitir a corrida do lado Português.
ResponderEliminarQue alegria encontrar um amigo que participou também nessa prova tão especial.
EliminarUm abraço.
Que gozo deu participar nesta prova de 25 Kms de montanha, convidado pelo meu bom amigo João ( Moldarte-P.Varzim) e no final tomar banho na lagoa de aguas verdes em pleno no parque. Pena foi que tivéssemos de efectuar a prova em terras espanholas, tal a falta de visão e tacanhez doa responsáveis do Parque Nacional da Peneda Gerês, mas de qualquer forma não deixou de ser uma prova/convívio, da qual melhores recordações guardo até hoje. PS. A Guarda Fiscal acabou no ano de 1992 e por essa altura já não existia efectivo no Gerês. Era provavelmente a GNR.
ResponderEliminarGrato pelo esclarecimento amigo. Efectivamente sabia que a Guarda Fiscal tinha acabado mas pensava ter sido depois de 1996, Efectivamente deve ter sido a GNR.
EliminarUm abraço.
Jorge, isso é inacreditável, impossível se alguém que não estivesse lá me contasse eu não acreditaria, como pode uma prova portuguesa só com corredores portugueses e organização portuguesa ocorrer na Espanha? Incrível viver isso, grata pelo teu relato, ainda bem que não foi parar na prisão e assim conseguiu entregar os folhetos.
ResponderEliminarBoa semana
Bons Km´s
Ju
Obrigado Ju e boa semana para si também.
ResponderEliminarBeijinho