sexta-feira, 13 de setembro de 2013

MEMÓRIAS – PROVA PORTUGUESA EM ESPANHA E SEM ESPANHÓIS!

A 7 de Setembro de 1996 teve lugar uma prova, do hoje designado trail, que ficaria na história da corrida, e das provas de montanha em Portugal.
O normal seria escrever a 7 Setembro de 1996, teve lugar em Portugal... mas não é verdade pois a referida prova realizou-se em Espanha!
Como é que uma prova em Espanha pode ter ficado na história da corrida em Portugal?!
Podemos começar por adiantar que na referida prova não participou um único atleta espanhol e que a organização era 100% portuguesa!
Como é que uma prova portuguesa é disputada em Espanha? Confusos? Muito provavelmente para quem não viveu a situação, ou teve conhecimento da história, isto que estamos a escrever não tem nexo nenhum!
Se para muitos dos atletas que participaram naquela prova foi a sua internacionalização forçada e se ficaram na história por fazerem uma prova dentro de parâmetros absolutamente anormais e únicos o motivo que levou uma prova portuguesa para Espanha, nomeadamente em terras galegas não é nada agradável e em nada abona as autoridades que na altura provocaram a situação.
O Circuito Mineiro do Gerês, prova integrada no DESAFIO 96 (Um conjunto de Provas de Trail cuja a organização, pelo segundo ano, pertencia ao Terras de Aventura e que começava a desbravar caminho na implantação dessa fascinante modalidade da corrida em Portugal) tinha a partida marcada para as 16 horas de 7 de Setembro, na Portela do Homem, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Acontece que as autoridades responsáveis pela autorização da prova consideraram que a mesma era nociva para o referido parque, quando essas mesmas autoridades apoiavam e patrocinavam passeios de viaturas todo-o-terreno na área da sua jurisdição.
Face a este impedimento, surgido na véspera da prova, a solução foi pedir autorização as autoridades espanholas, que não só, imediatamente, autorizaram a prova como deram apoio no local da partida e durante o percurso que acabou por ser corrido todo em Espanha!
Sobre este assunto reproduzimos em imagem o que foi escrito no Boletim da Montanha na altura.
Para quem estava dentro dos meandros do percurso que a organização tinha imaginado esta proibição ainda foi mais frustrante,
Os organizadores pretendiam fazer algo de perfeitamente inédito ou seja um percurso circular, em que na partida era dada a possibilidade de escolher o sentido em que se queria efectuar a mesma!
Ou seja, seria uma partida de atletas costas com costas, em que uns optariam por começar a prova a descer e outros a subir, consoante considerassem adaptar-se melhor às suas características!
*
Do ponto de vista estritamente pessoal vivemos um dos mais belos, fascinantes e alucinantes fins-de-semana ligados com o nosso desporto preferido!
Um fim-de-semana em que até ameaçado de prisão fui!
Tudo começou com a partida aqui de Muge, em transportes públicos, para a Portela do Homem, bem lá encostada a Espanha.
Eram tempos em que se conseguia efectuar tal viagem a partir de casa sem problema nenhum, coisa que hoje seria impossível, o que prova que o futuro nem sempre trás progresso mas às vezes retrocesso, como acontece quando se desinveste no transporte público.
Apanhámos a velhinha automotora, em direcção a Santarém, o comboio para Braga, uma camioneta para a Portela do Homem e depois de uma ligeira caminhada estávamos no Parque de Campismo, onde seria a base logística da Prova.
Chegámos ao Parque na tarde de sexta-feira e a prova realizava-se no sábado, da parte da tarde.
Montámos a tenda e aguardámos a chegada do Professor António Matias, que era o responsável pela prova.
Ele chegaria no final da tarde e o resto do dia e noite seria passado em tarefas organizativas, para além de um belo e reforçado jantar, que seria a última refeição decente que comeríamos antes do jantar de domingo em casa (mas já lá vamos)!
Acabámos o trabalho já passava, da meia-noite, sentados à porta do parque de campismo a meter dorsais em envelopes, isto porque o bar entretanto fechou e tivemos de abandonar o mesmo.
Sábado da parte da manhã seria para resolver o imbróglio causado pelas autoridades portuguesas, e tratar do assunto junto dos espanhóis, marcando o percurso em terras de Espanha e foi a minha estreia a colocar fitas!
Como não havia tempo para almoçar, nem convinha comer muito, que a prova era as 16 horas, socorri-me do muesli sobrante do pequeno-almoço e algumas bolachas e aqui comecei a minha “dieta” até ao jantar de domingo!
Depois de almoço seria a entrega dos dorsais, na qual também participei até ser substituído na tarefa para me equipar a fim de ir fazer a prova (sim também fiz a prova!).
Mas no meio de tudo isto ainda fui ameaçado de prisão pelas autoridades portuguesas (seria a antiga Guarda Fiscal? Não me lembro). Quando cometi o “crime” de estar de guarda à tenda (um daqueles toldos de jardim, de montar e desmontar, que se compram nos hipermercados) onde a organização iria dar os dorsais.
Essa dita tenda estava colocada quase em cima da linha de fronteira (senão mesmo em cima) porque numa terra de ninguém poderia dar menos problemas, mas mesmo assim até me ameaçaram de contactar as autoridades espanholas!
Fazendo ouvidos de mercador e afirmando que não era responsável pela prova lá me aguentei, eu e a tenda, e não fui detido, conseguindo alinhar na prova!
A prova em si não teve historia tirando o facto de que me correu particularmente bem, no ano em que melhor corri em provas de trail.
Depois foi desequipar-me na parte de trás do histórico jipe UMM da organização, enquanto na frente elaboravam a classificação!
Dali vim de boleia para Gaia, com a organização, e de lá de comboio (daqueles que levavam a noite toda) para Lisboa.
Na hora que cheguei a Gaia estava tudo fechado e o meu “jantar” foram duas latas de uma bebida à base de chá, obtidas numa daquelas máquinas automáticas.
Em Lisboa tinha encontro marcado com o meu tio, em Santa Apolónia e rumámos para a Corrida da Festa do Avante!
Ele fez a prova e eu distribuí folhetos da Corrida do Monge, outra prova do DESAFIO 96 e simbolicamente trocámos de camisolas, a que trouxe do Gerês com a que ele ganhou no Avante!
Note-se que vim do Gerês carregado que nem um burro, pois para além do saco cama, tenda, equipamento etc., trazia os folhetos para distribuir e o “diploma” que tinha ganho na TRANSESTRELA, ou seja uma “bruta” pedra, pesada como tudo.
Na Festa do Avante “almocei” uma bifana e ala para casa, que na segunda-feira era dia de trabalho (o patrão até me tinha dado a sexta-feira para poder fazer a prova).
Foi um fim-de-semana fantástico!


10 comentários:

  1. Muito gosto eu das histórias históricas deste nosso desporto, e esta é mais uma magistral, escrita por quem esteve tão dentro que participou nos dois lados (atleta e organização).

    Já ouvi várias formas de corrida (inclusive algumas bem disparatadas e que apenas se utilizam do termo corrida como chamariz), mas nunca tinha ouvido essa da corrida circular onde se escolhia o sentido inicial, e achei-a uma ideia brilhante! No fundo, a distância e o percurso são os mesmos apenas o sentido difere, ficando todos em pé de igualdade. Ora aí está uma boa ideia a retomar em eventuais provas que assim o permitam.

    Obrigado por esta partilha

    Um abraço!

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    1. Na altura foi uma enorme frustração não conseguir por a ideia do percurso em prática!
      Pode ser que algum dia alguém pegue na ideia.
      Um abraço.

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  2. Obrigado pela partilha de mais um pouco de história dos primórdios da corrida de montanha em Portugal (neste caso em Espanha). Adorei, ainda por cima contado por alguém que esteve bem por dentro (aliás tão por dentro que quase ia "dentro").
    Venham mais destas....
    Grande abraço Jorge

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  3. Amigo Carlos Cardoso o que eu me ri com essa de tão por dentro que quase ia "dentro" :)
    Um abraço.

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  4. Participei nesta corrida, juntamente com o meu amigo João (P. Varzim) e que gozo deu participar nesta corrida de montanha, hoje trail, com 25 kms e no final tomar banho na famosa lagoa de aguas verdes. De lamentável apenas o facto de a corrida se ter desenrolado do lado espanhol. por falta de visão e tacanhez, dos responsáveis da Parque Nacional da Peneda Gerês, ao não permitir a corrida do lado Português.

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    1. Que alegria encontrar um amigo que participou também nessa prova tão especial.
      Um abraço.

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  5. Que gozo deu participar nesta prova de 25 Kms de montanha, convidado pelo meu bom amigo João ( Moldarte-P.Varzim) e no final tomar banho na lagoa de aguas verdes em pleno no parque. Pena foi que tivéssemos de efectuar a prova em terras espanholas, tal a falta de visão e tacanhez doa responsáveis do Parque Nacional da Peneda Gerês, mas de qualquer forma não deixou de ser uma prova/convívio, da qual melhores recordações guardo até hoje. PS. A Guarda Fiscal acabou no ano de 1992 e por essa altura já não existia efectivo no Gerês. Era provavelmente a GNR.

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    1. Grato pelo esclarecimento amigo. Efectivamente sabia que a Guarda Fiscal tinha acabado mas pensava ter sido depois de 1996, Efectivamente deve ter sido a GNR.
      Um abraço.

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  6. Jorge, isso é inacreditável, impossível se alguém que não estivesse lá me contasse eu não acreditaria, como pode uma prova portuguesa só com corredores portugueses e organização portuguesa ocorrer na Espanha? Incrível viver isso, grata pelo teu relato, ainda bem que não foi parar na prisão e assim conseguiu entregar os folhetos.
    Boa semana
    Bons Km´s
    Ju

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  7. Obrigado Ju e boa semana para si também.
    Beijinho

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