quarta-feira, 16 de setembro de 2009

AS CORRIDAS MAIS DIFÍCEIS – 1ª MEIA_MARATONA DE TRÓIA




No dia 2 de Outubro de 1983, deslocámo-nos bem cedo, com a família, até Setúbal, para utilizando o ferry-boat, atravessarmos para a península de Tróia, então uma florescente estância turística, ainda com as praias acessíveis à população em geral, mas já em terras de Grândola, onde se iria disputar a 1ª Meia-Maratona de Tróia, na distância de 21098 metros.
A organização pertenceu nesse ano ao Interline Clube de Portugal, constituído por trabalhadores das companhias de aviação com escritórios em Portugal (que eram quase todas as grandes companhias de bandeira).
Só mais tarde, e a partir daí enquanto a prova durou, a organização passou para os Jogos Médicos Nacionais, dirigidos pelo dinâmico Dr. Manuel Martins, atleta multifacetado, ultra-maratonista, escritor (e que belos livros tem!) e ilustre médico do Hospital de Santa Marta, onde dirigiu até à sua reforma um excelente Serviço de Reabilitação, onde cheguei a ser tratado, que até piscina e tanque tinha! Tinha, digo bem, porque tudo piorou com os sucessivos ataques ao SNS, dos últimos anos, em nome dos grandes interesses económicos e das seguradoras, como pude comprovar pela minha estadia nesse estabelecimento hospitalar público, onde fui operado há dias. Embora continue a não trocar os hospitais públicos pelos outros (e também, se quisesse, não tinha dinheiro)!
Mas voltando a esse dia, há quase trinta anos, em que tudo correu mal, desde os transportes entre as margens do Sado (menos do que estava previsto), aos abastecimentos (falha da empresa que os fornecia), e um calor excessivo para o início de Outubro, porque ainda não estávamos habituados às invulgaridades climáticas dos últimos anos, que apoquentou os atletas desde o tiro da partida.
Embora a prova fosse completamente plana, quem já lá correu ou treinou, sabe que o calor se faz sentir ali com particular intensidade, por se tratar de uma estrada aberta no meio de uma zona arenosa. Foi o que aconteceu nesse dia às centenas que chegaram a tempo de participar na corrida, já que muitos não conseguiram barco a horas.
Os que conheceram a Tróia dessa época lembram-se de certo do belo parque de campismo, cuja vedação chegava até à estrada, do lado do oceano, e entretanto substituído por uma qualquer urbanização de betão e asfalto. Se até ao retorno, a caminho da Comporta, e a cerca de dez quilómetros e meio da meta localizada em Tróia, se foi suportando a canícula, o pior foi o regresso, com dezenas de atletas a ser obrigados a parar, uns para ser socorridos, outros para retomarem a prova, mas a passo.
Foi ver então aquilo a que nunca mais assistimos noutra qualquer prova, os campistas, munidos de “jerricans”, canjirões, garrafões e baldes, tentarem, por cima da vedação em arame do parque, molhar os atletas, e matar a sede aos que estavam em maior dificuldade. Muitos destes penduraram-se na rede, de boca aberta, para receberem um pouco do líquido retemperador.
Também eu fui obrigado a parar, e a beber dessa forma, para prosseguir depois, mas a andar, até à vista da meta, onde corri os últimos metros, para não parecer mal... Iria ficar no limite de tempo, que nessa altura considerava impossível de ultrapassar, as duas horas. Fiz 1h58’ e terminei em 775º, mas deixei muita gente para trás, para não falar nos desistentes. Chegou a constar que alguém, entre os hospitalizados, teria mesmo falecido, por insolação. Tal não veio felizmente a confirmar-se.
Quando cortei a meta, lembro-me de, pela única vez em trinta anos de participações em corridas, quase ter desmaiado. Valeu-me a presença do Enfermeiro Teixeira, do Centro de Medicina Desportiva que, amigo da família, fora connosco, acompanhado dos seus familiares, para participar depois, connosco já recuperados, no piquenique de confraternização que fizemos nos belos relvados dessa Tróia que hoje já não existe. O autor do blogue, Jorge Branco, também esteve presente, mas com o seu “físico queniano” desse tempo, com os seus quarenta e poucos quilos, não teve as mesmas dificuldades e terminou em 597º, em 1h48’48”.
Regressado a casa, depois deste meio pesadelo, fiz o boneco que se junta, em que expressava o estado de espírito como fizemos parte da prova, numa quase alucinação, entre o sofrimento e o onírico. Um bom tema para uma próxima croniqueta como esta, sem pretensões
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EVB, Setembro de 2009











4 comentários:

  1. Excelente crónica de uma Prova que nunca fiz, mas que era famosa na época (muito se ouvia falar de Meia Maratona dos Jogos Médicos, em Tróia).
    Mas se acontecesse hoje a uma organização, a falha de um abastecimento quantos dos atletas estariam dispostos a perdoar?
    Grande abraço, Jorge e continue a proporcionar-nos estes agradáveis momentos de memórias da Corrida.
    FA

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  2. Pois amigo Fernando Andrade naquele tempo havia mais tolerância para com as falhas organizativas e tudo era mais amador.
    Hoje ainda estou a espera de ver atletas a exigirem um bife com batatas fritas num abastecimento de alguma meia maratona!
    Naqueles tempos ainda se dava a água em copos de plástico e, se não estou equivocado, nessa prova a consistência dos copos era muito fraca.
    Pegava-se no copo e ele esborrachava-se todo e lá ia a agua embora!
    É claro que um atleta ao pegar num copo em plena prova não o ia fazer com muita meiguice...
    A este problema com os copos juntou um calor anormal para a época e foi a desgraça que se viu.
    Mas ainda há dois anos, numa conhecida prova disputada em Lisboa, quando cheguei ao primeiro abastecimento já não havia agua coisa que em Tróia nunca me faltou embora tivesse que lidar com os copos com muita calma e “carinho”.
    Um abraço.
    Jorge Branco

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  3. boas,
    em 83 eu ainda nao andava nestas corridas, pelo que ainda nao tenho cronicas, mas julgo que deve ter sido um recordar agradavel enquanto voçe escrevia estas linhas.
    abraço e b.f.semana

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